domingo, 28 de fevereiro de 2016

"FAZENDA TRÊS SALTOS: QUANDO O VALE CONTA HISTORIAS". OU UM LIVRO GATILHO PARA MINHAS LEMBRANÇAS E OUTRAS ENGRAÇADAS HISTÓRIAS.

Nestes dias que correm, um amigo bibliófilo ligou avisando: "publicaram um livro sobre uma fazenda dos Breves, e tem seu nome na bibliografia, algo que escreveu e está na internet". Pensei com meus botões; lá vem bomba. Mas até que desta vez, não. 

Pela primeira vez um livro destes sobre fazendas cita um texto meu ou pequisa minha fazendo a referência correta. Não sou historiador, nem tenho pretensões a nada, mas a lista de canalhas que tem o hábito desta falta, ou falha intelectual é enorme, e um dia eu vou discorrer com muito prazer, um a um destes casos. Principalmente os oriundos do meio acadêmico vassourense ou dos sobre as fazendas de café. Tem nomes ilustres nesse costume nefasto. 

Os Breves, os antigos proprietários da Fazenda Três Saltos, de Piraí, formaram uma das mais antigas, ricas e estranhas parentelas fluminenses. Merecem mesmo muitos estudos e livros. Souberam ganhar dinheiro com o suor e sangue dos negros, e souberam gastar o dinheiro também. 

Quando eu fui pesquisar meus costados de Piraí, ( arraial dos Breves ), acabei tendo contato epistolar com o famoso cronista da família, o Padre Reynato Breves. Mas logo percebi que ele não poderia me ajudar muito, porque o interesse dele, era obviamente só Breves. Mas foi muito simpático e acolhedor, por meio das cartas que trocamos e tenho guardadas em meu arquivo.

Um pouco acostumado com a bibliografia e iconografia fluminense, acabei comentando com o Padre Breves, da beleza de umas pinturas de antepassados seus, ancestrais desses fazendeiros de origem açoriana, que se perpetuaram na história, pela quantidade de escravos que traficaram, comerciaram e possuíram em suas incontáveis fazendas. Mas fiquei algo surpreso na resposta do Padre, já que também surpreso, me informava nunca ter visto uma tela, que estava reproduzida justo no Anuário do Museu Imperial. Eu providenciei uma cópia para o Padre, e assim fomos trocando cartas, até que tempos depois recebi o grosso tijolo que ele publicou sobre sua família, iniciada nos nobilíssimos Condes de Breves.

Tenho satisfação de ter conhecido epistolarmente o padre Breves, foi um homem infeliz deslocado dentro da igreja católica. Hoje talvez fosse um herói. No dia que lhe lembrarem a vida rocambolesca, decerto será um mito, já que um maldito bispo lhe caçou o sacerdócio e publicou no jornal O Globo, que ele vivia maritalmente com o sacristão. E foi assim, que suspenso das ordens, fundou a sua igreja independente de Santa Teresinha, na Barra do Piraí. Morreu precocemente num acidante automobilístico. Para a genealogia da região, sua morte foi irreparável perda. 

Mas tive imenso gosto de ver neste livro da Fazenda Três Saltos, publicados por Mary del Priore e Eduardo Schnoor, os tais retratos pintados dos Breves, que integram a coleção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 

 São belas pinturas, retratos enigmáticos, embora toscos. Nada pode ser mais estranho e feio por exemplo; que a fisionomia da senhora de toucado e óculos. Tão feia que choca, e acaba por ficar belíssima pintura, pela realidade estranha que documenta. Flagrante vivo do passado. Quase que se pode sentir o cheiro que deviam exalar, nessas roupas endomingadas e suadas. Excelente poder ver as telas coloridas agora no livro da Fazenda Três Saltos. Eu os conhecia sem colorido, publicados por Alberto Lamego, na sua obra O Homem e a Serra. E disso não passava  o meu conhecimento desse assunto; pinturas, retratos e Breves. Mas sabia que pertenciam ao cineasta Mario Peixoto, já que o poeta Alexei Bueno, amigo deste último, tinha visto na casa do próprio Mario Peixoto, em Mangaratiba, que segundo ele Alexei, tinha semelhança notável com o ancestral, o tal velho Joaca, o Rei do Café.

Em dezembro de 1995, ou inicio de janeiro de 1996 eu recebi no meu trabalho, a Livraria Universal, uma telefonema do Embaixador João Hermes de Araujo, (casado com uma Breves Graúda).  O embaixador me era grato: o proprietário da livraria, o empresário Joaquim Monteiro de Carvalho, presidente do Grupo Monteiro Aranha, havia adquirido um belo e antigo album de fotografias, pertencente ao Conde Haritoff, marido de uma Breves, e por minha intermediação, o Dr. Joaquim emprestou o album ao Embaixador, e acabou na sua admirável generosidade, por oferecer de presente o album ao embaixador.

Na residência do Embaixador, eu tinha visto tempos antes, o famoso retrato do José de Souza Breves, vestido com roupas tipicas de açoriano. Era um outro famoso quadro da iconografia dos Breves, tela que tinha pertencido ao museu particular David Carneiro, de Curitiba, e que então, estava em sua coleção particular. O Embaixador achava que este retrato, era de autoria do Jean Batista Debret, e para confirmar a assertiva, mostrava uma gravura da "Voyage Pittoresque et Historique au Bresil",  do Debret, onde está  um fazendeiro que sapeca furibundo com um chicote, um infeliz negro imobilizado com um pau de guatambu. Não havia muito como se negar ser o retrato do fazendeiro Breves e o fazendeiro da gravura, a mesma pessoa.

O embaixador João Hermes nessa conversa, por telefone, fala de diversos assuntos antigos, genealógicos, porque sempre teve um bom papo, e quase ao fim da conversa, ele diz, que tinha ficado chocado, "um parente distante da minha mulher", que se interessava pela história dos Breves, tinha ido num antiquário em Copacabana, e visto a venda todos os tais quadros, que tinham pertencido ao Mário Peixoto, postos lá a venda, por um seu herdeiro ou empregado", (chamado Saulo, Menelau ou Argeu, não me lembro....bem). 

O Embaixador João Hermes, proprietário de uma espaçosa fazenda antiga dos Breves, na região de Volta Redonda, estranhamente disse, para fechar o relato, que não havia lugar para tantos quadros, mas tinha muita pena, de não poder fazer "absolutamente nada", e que assim, os retratos se dispersariam e perderiam. Eu na mesma hora, de pronto falei: "o senhor, que é vice-presidente do Instituto Histórico, e já que o tesoureiro lá é o Victorino Chermont de Miranda, que tem um grande interesse em iconografia antiga do império, fale com ele, que o Instituto compra tudo. Esses quadros tem alto valor histórico,  extrapolam o interesse familiar, e assim ficam juntos e preservadas". O ovo de Colombo foi posto por mim em pé, e o embaixador exclamou: "Que boa ideia, é verdade, falarei com o Victorino" e desligou o telefone. Esta foi toda minha participação no caso, e mais eu não soube, nem o embaixador deu um qualquer retorno do andamento do que falara, até que em um outro dia, um outro camarada da genealogia, que era então, também casado com uma Breves (Miúda), entra na livraria e fala: "Roberto, eu ia chegando no IHGB, e estava o Dr. Victorino Chermont desembarcando todos os quadros dos Breves que estavam a venda em um antiquário de Copacabana. Mas ele pediu que não falasse nada disso com ninguém, especialmente com você (sic) Roberto, pois é um segredo"; (uma surpresa para o aniversário ou uma efeméride qualquer do Instituto).

Esse é o Brasil, e os homens cultos de nossa terra. A intelectualidade nativa. As penas dos pavões , até as menores, e menos coloridas, rodam de rabo em rabo de urubus, e os pavões coitados, que já tem as canelas horrorosas, estão sempre com os rabos depenados, iguais frangos de geladeira de supermercados.... Em compensação, urubus lindos....


Ora bolas, eu não tinha nem visto os tais quadros, mais a sugestão da aquisição pelo IHGB foi minha, ao embaixador, não tinha porque esconderem a compra. Saiu o camarada da livraria, e entrou o autor do livro agora publicado, sobre a Fazenda Tres Saltos, o historiador Eduardo Schnoor, por isso essas lembranças. Eu, já por ser grande o segredo do polichinelo, informei logo da compra dos quadros dos Breves pelo IHGB.  Foi o que bastou para Eduardo Schnoor pegar o telefone e imediatamente informar ao jornalista Elio Gaspari do acontecido. O jornalista parecia ter interesses também na história dos Breves. O jornalista me ligou e fez umas perguntas. Ficou de ligar mais outra vez sobre o assunto, e não aconteceu. 


Assim foi o porque, que no domingo 14 de janeiro de 1996, na hora do meu almoço, recebo uma chamada telefônica, e do outro lado da linha, uma mulher aflita e histérica, perguntava aos gritos, como se mortalmente ferida, se eu era o (famigerado) Roberto Menezes de Moraes? Ofegante, perguntava se tinha sido eu mesmo que tinha "descoberto" os quadros dos Breves num antiquário de Copacabana???? Se eu confirmava isso....   Um mal estar, naquela tarde calorenta, no meio de um bom almoço.... ela passou o telefone ao marido, para ele vociferar bravo, para reclamar, que eu lhe tinha arrancado (as penas ou) o mérito da descoberta notável dos quadros num antiquário qualquer mambembe de uma galeria na Rua Siqueira Campos. Foi ai que entendi, mais ou menos, que tanta agonia, era devida ao fato que no O Globo daquele domingo, tinha saído um artigo de pé quebrado, sobre a epopeia dos benditos quadros. O cidadão não fez nenhuma questão de entender minhas explicações, enfurecido desligou sem despedir, e eu tratei de ir ler o tal artigo.  Reproduzo ele aqui, já que  o vejo publicado, estropiado com cortes, num site de Café e Breves. Claro que meu nome não aparece, e nem deveria. Entendo. Mas como saiu no artigo, e o embaixador confirmou tudo ao jornalista, ao bem da verdade, fica aqui o registro correto e a minha explicação.

Minha sorte com os Breves foi sempre fugaz, já que tempos depois, outros deles entrariam em contato comigo, por motivos diversos, mas nesse meio tempo, para piorar minha consideração e fama no meio dos nobilíssimos Breves, o genealogista açoriano Jorge Forjaz localizou a verdadeira origens dos "nobres Condes de Breves", na ilha de São Jorge. A verdade era serem eles oriundos de uma qualquer mulher solteira, cujo descendente tinha o apelido de Breves. Naquele estropiar de linguajar açorita, em que apelidavam-se uns aos outros com os epítetos mais incríveis, de maneira talvez de os diferenciar no meio do populacho e daquele extraordinário ramerrão de sobrenomes repetidos, onde por nove ilhas, todos são Coelho, Medeiros, Silveira, Dutra, Avilas, Fragas, Oliveiras etc etc etc.... Resta saber o que eles faziam naquela época, de breve para ganharem o apelido ligeiro. Se fosse hoje, eu sugeriria a hipótese de que são breves para telefonarem e reclamarem. E para esses outros que me escreviam, eu feito um idiota, a imaginar que queriam saber a verdade da origem ancestral, dava a boa nova, da verdadeira prosápia, não francesa, mas açoriana, para nunca mais receber notícias ou um obrigado pelos informes.... Acabei por publicar a verdade, quando chamado para colaborar no trabalho do Instituto Cidade Viva, que serviu de bibliografia, e motivo de aviso do meu amigo bibliófilo. 

Por hora hoje basta, vejo espantado que se passaram vinte anos do domingo fatídico.  Hoje por sorte temos a internet para divulgar outras versões de fatos e queixumes antigos. Acho que antes de morrer devo deixar acertadas aqui outras situações similares.

Volto BREVE, genealogia sempre rende papos, lembranças e descobertas incríveis: minhas próprias pesquisas mostraram no fim, que não há Breves no Brasil, que não sejam descendentes também de ancestrais meus, pois um dos mais remotos deles aqui na serra fluminense, casou-se com uma tia ancestral minha, de não sei quantas gerações. Se eu fosse como uma genealogista pretensiosa e falseta que conheci, Dona L.... , não hesitaria de declamar assanhado, essa tia que num emaranhado de casamentos, me liga a todos os Breves, graúdos e miúdos, como minha "tia tatara-tatara-tatara-atara-avó"..... 

Mas que ilusão!! Tudo dessa gente antiga é ilusão, nada do que se orgulhar, eles são tão caiporas quanto é este falar desta sacana e macróbia. Se singelos caipiras foram os velhos Breves, sapecadores de infelizes negros da região fluminense de Piraí e São João Marcos, assim também foram também, todos os integrantes da minha ancestralidade fluminense, com raras exceções. 

Ter trabalhado tantos anos em livraria, em contato direto com o público, onde entrava um e saía outro, o tempo todo, tudo que acontecia no Rio de Janeiro, as coisas mais dignas e indignas, acabavam ecoando pelo ambiente da livraria. Sabia-se assim de tudo que forma o material que rende as boas memórias. Quem sabe um dia......