sexta-feira, 31 de agosto de 2018

DOIS RETRATOS, ALGUMAS HISTÓRIAS E OUTRAS RECORDAÇÕES.

Plágio de Livro Ameaçado. Pinturas e Lembranças. Genealogias Ocultas.


Acabei de chegar hoje da região de Paty do Alferes pensando em genealogia, ancestralidade, acasos do destino, manuscritos e livros de genealogia.

Donas Mariana & Emerenciana Avellar 
Fui lá num bate e volta, buscar duas antigas telas maltratadas. Dois retratos de duas venerandas tias-pentavós solteironas que arrematei na bacia das almas num leilão dos derradeiros trastes que sobraram da histórica e pioneira fazenda do Pau Grande, cujo latifúndio esteve em poder de uma mesma família desde as primeiras décadas do século XVIII até meados do século XX.

A história dessa fazenda e seus personagens, resumi num livreto que publiquei há anos passados, em reduzida tiragem, o que no entanto, não impediu de ter sido plagiado por muitos picaretas e embusteiros, que andam por esse mundo a copiar e escrever sobre essa gente muito antiga da velha província fluminense e do  ciclo da cana da açúcar e do café. Aproveitam dessa minha publicação, "Os Ribeiro de Avellar na Fazenda Pau Grande (1994)", até a estrutura da narrativa que termina com a visita feita por José Lins do Rego na fazenda, quando estava já nos estertores de sua pretérita grandeza. Uma certeza gostosa dessa publicação eu tenho: gostam muito. Acho que até invejam, pois copiam sempre, e os picaretas nunca citam ela como fonte nas bibliografias. A lista desses plagiadores é bonita, pois vai desde o famoso pires, até a demolidora maria do piolho, passando por toda uma catrefa de outros menos badalados.

Pois, só para dar o peso da veracidade do que afirmo, foi nessa publicação em que primeiro se disse, por escrito, a razão da exótica arquitetura do velho casarão, separado pela capela, proporcionando duas residências independentes. Algo diferente de tudo quanto foi casa de morada das fazendas  fluminenses. Desafio a mostrarem texto anterior ao meu com esta informação.

Foi também nesse texto em que pela primeira vez veio à luz a informação genealógica de que as duas grandes parentelas do Vale Fluminense do Rio Paraíba do Sul, os Werneck e os Ribeiro de Avellar possuem uma origem única. Em Carnota, Portugal, freguesia onde num fim de dia fui visitar com meu filho, para sermos os primeiros desta enorme parentela, do sangue Werneck e Ribeiro Avellar a fazer uma peregrinação ancestral ao berço dessa gente tão curiosa (e por extensão briguenta). Perguntei num café ainda aberto, sobre algum qualquer resquício de lembranças deles, Avelar e Gomes Ribeiro, por lá. Não, eles não sabiam, mas ficaram surpresos e agradados, e se abriram em simpatias àquele estranho brasileiro, quando eu falei do nada, um nome de um lugar muito específico de lá, talvez um buraco... Sorte minha de genealogista saber, sai me sentindo da terra.

No livreto conto o desenrolar da fazenda, a sucessão de todos os seus proprietários de sangue Avellar, e o fim desses quadros e das alfaias da fazenda. Grande encrenca. Os quadros, eu vi numa visita que fiz com o hoteleiro Gerson Tambasco e meu distante parente, Alberto Melo Afonso, numa sexta feira, 20 de fevereiro de 1987, a justo esta família que estava proprietária destes despojos que foram a leilão esta semana. Dos quadros, um me prendeu atenção e fixou indelével na minha memória. Eu, como imaginei que nunca mais o veria, almejei muito alguma reprodução da imagem que tanto admirei. Difícil, brotou um ódio depois desta visita, e consequente publicação, que mandaram me ameaçar de processo, puliça, etc etc etc, por algo que se falou a me mostrarem os quadros, e eu achei graça, e reproduzi ipsis litteris. Moacyr e Maria Werneck de Castro, no entanto publicaram a verdade pior, (em Barões e Escravidão) e nem um pio ou ameaça. Anos atrás alguém que nem lembro bem quem me ofereceu uma cópia e eu consegui assim ter uma miniatura da referida pintura da "Tia Mariana da Gloria" Avellar. São estas as pinturas que José Lins do Rego descreveu: "as irmãs do barão, três senhoras,... caras solenes, as mantilhas em cores e o olhar sem ternura de espécie alguma". Considero os retratos dessas tias ancestrais o que de muito expressivo possui o patrimônio artístico da região e da cultura do café fluminense. Retratos de baronesas bem vestidas, de barões de casaca preta ou uniformizados pululam pelos leilões, antiquários, museus e galerias. Mas algo pintado com tão rude e ingênua realidade igual a esses retratos e que tão forte traduz a personalidade destas parentas, eu só conheço o retrato da Baronesa de Itambé, na Casa da Hera, em Vassouras e o do velho Breves, vestido à moda açoriana que vi na casa do Embaixador João Hermes.

Dona Mariana da Glória Avellar nasceu na freguesia de Santa Rita, em 1789, e foi para a fazenda do Pau Grande ainda no século XVIII, em fins de janeiro de 1795, aos 6 anos de idade, órfã do pai, o negociante Antonio Ribeiro de Avellar. Ela foi uma das ricas senhoras herdeiras da sociedade comercial da Casa Pau Grande. Uma das "manas" solteironas do Barão de Capivary. Era ela quem tomava conta da administração da casa com pulso de ferro. Como a fazenda sempre foi administrada como sociedade comercial, ela tinha seus próprios escravos, em sua maior parte nos serviços domésticos. Em seu testamento, tinha a intenção de os beneficiar monetariamente e com liberdade. Mas, infelizmente, uma tremenda encrenca e fofocada dentro da casa a irritou de tal maneira que vendeu para o irmão os seus até então escravos, que foram trabalhar no eito, no sol a sol da roça. Desta forma, os deserdou de toda e qualquer liberdade ou benefício financeiro, produzindo para esse efeito um documento (que conservo comigo em algum lugar), e que é um dos mais tristes (de fundo não oficial ou público) de que tenho visto daquele período. Tanto por imaginar o tamanho da decepção dos infelizes, as súplicas de perdão que choraram, como por saber da gente dessa também minha família, como ela devia passar de nariz em pé e olhar altaneiro, indiferente ao choro amargo e arrependido de seus até então queridos serviçais caseiros e mucamas. A história dela poderia se alongar, era a madrinha de batismo de minha trisavó, Dona Mariana Isabel Peixoto de Lacerda Werneck, a matriarca dos Furquim Werneck. Era compadre dos sobrinhos, os barões do Paty do Alferes. Com o quadro aqui na minha companhia, outras lembranças decerto virão, vou consultar meus apontamentos e me deliciar nelas.

A outra "mana", Emerenciana Rosa, chegou à fazenda aos 10 anos. Escolhi ficar com seu retrato também. Não queria, nem poderia comprar todos. Aprendi que um é unidade, dois é par, treis é coleção. Já tenho outros, então minha coleção está extensa já. Mas, vou ler depois a cópia do seu longo testamento. Ela morreu em 1836. Seu retrato devia ter grande significado afetivo. Muito real, parece que acabou de atender uma porta e está desconfiada de quem chega. Ela estava na fazenda quando Saint-Hilaire passou por lá, e não foi vista. Arredia, deve ter visto o viajante francês por uma fresta.

D. Rosa Salter 
Major José Maria Salter
A irmã Rosa, que também estava no leilão, pintada com uma touca, e agora está separada das duas manas, era a mulher do "falastrão" José Maria Salter, o "filho de mãe oculta", e não me era nada simpática à lembrança desse casal. Na fazenda existiu uma pintura desse José Maria Mendonça Mascarenhas Salter, retratado com um envelope subscritado com o nome do pai, o que decerto deve ter sido a maneira que deixou para testemunho póstero de quem era filho. Na realidade ele era  filho só do pai, e o nome da mãe ele não informou nem no testamento. Esses dois, Rosa e José Maria, indispuseram o cunhado Luíz Gomes Ribeiro, de quem descendo, empurrando para a fazenda do Guaribu, o cunhado e parente que foi o construtor da residência e administrador da sociedade Casa Pau Grande durante a menoridade do que seria o futuro Barão do Capivary.  Essa pintura do Major José Maria, vestido com o Hábito de Cristo, eu tenho a incerta impressão que vi muitos anos passados, já diminuída de tamanho num antiquário carioca. Parece figura de rótulo de vinícola lusitana. Estava na fazenda no entanto, quando foi registrada por técnicos do IPHAN. 


Fiquei com pena, no entanto, de ter visto o retrato de outra das irmãs  (acho que Maria Angélica) jogado na fazenda Pau Grande há muito tempo atráz. Por sorte guardei a foto que fiz e agora posso dizer que conheci ou vi – e vejo bem – os três retratos que impressionaram José Lins do Rego. Curioso lembrar que essas irmãs todas nasceram na casa da Rua das Violas, (atual Teófilo Otoni), no Centro do Rio. Casa que o alferes Tiradentes ia para exercer o seu "  mister de pôr e tirar dentes" – como declarou para poder escapar das garras do governo português.nos Autos da Devassa, o pai desta filharada toda. Creio elas  e suas demais irmãs, são as únicas imagens de prováveis pacientes do infeliz e precário dentista. Consta a tradição familiar que para esta declaração ser aceita, ele teria perdido parte considerável da sua fortuna e a vida, pois morreria logo após, em 7 de julho de 1794, acabrunhado por tantos insucessos. Sua morte é que fez sua viúva e filhos partirem para a fazenda em "Serra Acima", na qual consta que ele nunca teria posto os pés.

D. Antônia Ludovina Mascarenhas 
Neste leilão apareceu um retrato que está atribuído como se fosse a pintura da imagem da mãe de todos: a viúva Dona Antônia Maria da Conceição, de quem se jactavam os netos e bisnetos, numa antiga genealogia manuscrita que ganhei de Moacyr Werneck de Castro, dela ser "tia do marquês de Maricá". Erraram ao identificar a pintura: aquela é uma neta, homônima da avó, Dona Antônia Ludovina de Mascarenhas Salter, de quem tenho uma carta muito curiosa de suas primas cariocas que eram tias de Olavo Bilac. Essa Ludovina, como todo Salter, não era de brincadeiras também. Dona Antônia morreu velha, em 1828, e seu retrato nunca seria com roupas mais modernas do que as de suas filhas. Se fosse dela o retrato, eu o teria adquirido, seria algo de incrível valor, mais nem pensei em adquirir. 

É uma lástima que essa galeria tenha sido desintegrada, pois como citei acima, quando da instalação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, lá pela década de 1940, técnicos da instituição foram à fazenda e registraram toda a coleção de retratos sem os identificar – recentemente a Professora Ana Pessoa teve a gentileza de me enviar essas imagens que aqui estão em preto e branco. Nada adiantou o registro do IPHAN, muitos já nem foram mais vistos por mim a 30 anos. A iconografia de uma parentela foi realmente "arrancada dos seus", como furiosamente dizia minha parenta Maria Werneck de Castro, sobrinha materna da última dona de tudo. 

Um amigo que já viu os retratos jocosamente comentou: "Lins do Rego foi até generoso, as velhas são horrendas". Adorei!!! Quem ama o feio bonito lhe parece. Tive o privilégio de poucos, de ter sido eu quem foi buscar para o seio das paredes da parentela delas, depois de décadas e décadas, as duas ancestrais que elegi por meus próprios critérios de simpatia, espanto e admiração, como testemunhos daquele tempo cada vez mais longínquo e apagado. Sei que preservadas, no futuro serão tias ancestrais de multidões. Mais duzentos anos e a província inteira terá ligação genealógica com elas, pelo desdobrar e cruzar de pessoas e famílias. Quem viver verá....e a genealogia confirmará. 

terça-feira, 23 de agosto de 2016

MANCHAS E SOMBRAS, A PARTIR DE UMA RARA EDIÇÃO DE GENEALOGIA.

Ando matutando, agora que cheguei na velhice, (60 anos!!!) que com o passar dos muitos anos, o viver acrescenta mesmo, e possibilita, o transbordar da memória dos velhos, e que realmente as lembranças surgem a partir de gatilhos os mais desbaratados possíveis, e que já que o futuro fica menor, o tudo é recordação, e o tudo fica cada vez mais sedimentado no passado, a espera somente de poder a qualquer momento retornar, antes de ser apagado para o sempre.  

Estes dias andei a fazer a colação bibliográfica de uma obra genealógica brasileira, muito estimada e rara, mas que por ser duplicata, e que por falta de espaço, sou obrigado a desfazer, mas não sem algo de pesar. É um exemplar que considero bonito e significativo, por permitir boas e vivas recordações, de fatos, historias e pessoas. Assim, não posso me furtar o prazer de deixa-lo registrado e comentado aqui. 

A bibliofilia, a amizade (ou amor) pelos livros, permite se falar de um livro quase que indefinidamente, tanto pelo seu conteúdo, como um objeto concreto, e da mesma maneira, como também, por todos os outros aspectos que o podem permear, o seu autor, suas histórias, sua edição, e até seus possuidores, vendedores e até furtadores.  

Vamos lá; a obra em questão trata-se da Genealogia Mineira, em quatro volumes, publicados entre 1937 e 1939, em Belo Horizonte, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais. O autor é o advogado, e famoso latinista, o Dr. Arthur Vieira de Rezende e Silva, nascido em 1868,  em Cataguases, onde seus ancestrais foram os fundadores da hoje importante cidade da Mata Mineira, surgida a partir do antigo Arraial da Meia Pataca. 

O título de sua obra é no meu entender, abrangente demais, posto que passa a ideia que ela abarcaria em seu conteúdo genealógico, todas as famílias de Minas Gerais. Arthur Rezende a denominou Genealogia Mineira, mas a realidade é que o enfoque da sua obra é somente sobre as famílias de seus avós e da sua esposa. Restrito. Por mim o nome mais acertado seria Genealogia Cataguasense, o que por soar estranho aos de fora da antiga Meia Pataca, fosse talvez esse, o exato motivo porque ele decidiu ser melhor o titulo Genealogia Mineira.

A região sul de Minas Gerais foi em eras muito remotas, também povoada por emigrantes açorianos. Mas infelizmente, ao contrário da presença marcante e nunca esquecida dos ilhéus em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a mesma presença e importância do elemento açoriano na cultura e povoamento nas antigas províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro não é nada considerada. Está escondida, não sabida, esmaecida nas páginas dos velhos livros paroquiais. Da mesma forma, a herança arquitetônica sendo paulatinamente destruída. E mesmo  a cultural sendo ignorada pela modernidade idiota das modas e costumes do século. Mas nem adianta falar, o saber acadêmico, ligeiro e superficial, que despreza a genealogia como fonte de conhecimento, já cristalizou que açorianos só existiram no sul do Brasil. Mas a verdade é que pululam na história do ouro mineiro e do café fluminense os apelidos familiares, impossíveis de não serem ligados a diáspora açoriana pelo Brasil e pelo mundo; Dutra, Goulart, Jordão, Silveira, Brum, Lacerda, Rosa, Fraga, Avelar, Coelho, Rodrigues Alves e tantos outros e outros, que nem vale a pena lembrar.... 

A saga familiar de Arthur Resende inicia na freguesia das Angústias, na cidade da Horta, na ilha do Faial, de onde saíram as famosas Ilhoas, antepassadas de todo o sul mineiro. Pois foi lá nos Açores que ouvi o genealogista da terra comentar assombrado, que estas mulheres "foram as que saíram das Angústias, somente com " os panos de bunda", e se lançaram na aventura do Atlântico, para em terras brasileiras vencerem, e seus filhos e netos serem venturosos latifundiários, proprietários de terras mais extensas que o tamanho da própria ilha do Faial, onde a terra é exígua e disputada, toda demarcada  e retalhada com as características muretas de pedras vulcânicas. 

Essas corajosas ilhoas já eram lendárias desde do século XVIII, porque foram antepassadas da maior quantidade de gente conhecida e de sucesso desde então na província onde se estabeleceram.  A maior constelação de barões, viscondes, condes e marqueses do império (e até fora do Brasil!!!) reunidos numa parentela brasileira, foram os descendentes destas senhoras. Já vi genealogistas afirmarem que eram os Lemes paulistas que tinham esse rebanho enorme de titulares, mas que nada, qual o quê!, eu acho que são mesmo as ilhoas as que tem essa posição. 

Primeiro texto onde apareceram citações a esse grande clã, foram nas "Minhas Recordações" de Francisco de Paula Ferreira de Resende. Uma dessas ilhoas, foi a avó do Marques de Valença, figura de vulto dos primórdios do Brasil Imperial. Genealogia não desperta atenção se não houver um figurão que seja a pedra de toque para animar o bando periférico de toda uma grande e anônima gama de parentes. Então tudo começou ali nas "Recordações", até que veio depois o Dr. Arthur Rezende, com seu trabalho de folego, numa época sem internet e poucos telefones.  Um grande trabalho. Ele fez a história das Ilhoas, não mais como citação ou recordação, mas como genealogia, e publicou grande parte desta parentela admirável, expressiva social, financeira, e culturalmente como poucas o são no Brasil (e eu afirmo como verdade incontestável, até por não descender delas). 

Depois de publicada a obra de Arthur Rezende, surgiram outros genealogistas dedicados ao assunto; José Guimarães em Campanha e Ary Florenzano em Lavras. Até brigaram por causa disso. Durante muitos anos e anos, foram dúvidas e dúvidas das tais irmãs ou primas ilhoas. Quem era quem, e como é que era tudo....Todos os pesquisadores eram primos, mas foi finalmente, a pesquisadora paulista Marta Amato, que fez a pesquisa nos livros eclesiásticos açorianos, e pacificou de forma definitiva o assunto. 

Por tudo isso, livros e livros e folhetos se publicaram sobre essa assombrosa parentela, que incluí também o famoso Januário Sete Orelhas, um facínora mineiro. Mais de vinte publicações já existem na prateleira sobre as ilhoas. Não se pode então mais guardar duas coleções... 


Mas é esta duplicata que vai embora, um exemplar simbólico, que está em perfeito estado, é o que tem uma dedicatória de Arthur Rezende para o Ary Florenzano, datada de São Lourenço, 9 de maio de 1938. Até consigo imaginar o encontro dos dois genealogistas em São Lourenço, e a deliciosa conversa que deve ter ocorrido, (na portaria de um hotel, ou nas alamedas do Parque das Águas ?) naqueles fins da década de 1930. Arthur Rezende tinha 70 anos e Florenzano tinha 44 anos, e publicaria logo depois, em 1940, na Revista do Instituto Genealógico Brasileiro,boa parte de suas pesquisas, inclusive sobre os Taveira de Carrancas, também descendentes das tais matronas.  
  
Mas é essa gente, exatamente os Vieira de Rezende, que afloraram na minha memória, a partir do livro em questão, os da fazenda do Rochedo. Gente muito culta, respeitada e educada.  E explicarei porque só estes os do Rochedo estão nestas minhas boas lembranças; a madrinha de minha mãe era sobrinha paterna do Dr. Arthur Rezende, o genealogista, posto ter sido colega de minha avó Dora, no Colégio do Sion de Petrópolis, no inicio do século XX. Lá se vão cem anos passados. Minha avó saiu do colégio em 1917.  Era essa uma irmandade Rezende do Sion, as filhas do Dr. Affonso Vieira de Rezende, (precocemente viúvo, advogado e politico) e mais também lá estavam as primas, filhas dos irmãos Arthur e Astolfo. Eu pela vida afora, no entanto, já vi outros Vieira de Resende, e nada igual ou próximo a esses....afinal, sobrenome e o sangue não dá qualidade igual a toda uma grande rede de parentes. Tem laranjeira que tem frutas saborosas e outras bichadas ao mesmo tempo.....

Na fotografia do batizado de minha mãe, aparece o Dr. Affonso de Rezende, o então proprietário da
1-Dr. Affonso de Rezende, 2 -Ofélia de Rezende 3 -Laura Werneck
4 - Glorinha Correa (Lamego)  5 - Lydia Menezes 6 - Levy Menezes
7 e 8 - Salvador e Dora Menezes. 1923
famosa e vetusta fazenda do Rochedo, em Glória de Cataguases, o berço da família. Ouvi falar desta fazenda desde sempre. Porque fora a temporada que minha avó e suas irmãs foram passar lá, fugidas da gripe espanhola, era do Rochedo, de onde vinha, a madrinha de minha mãe, Ofélia Vieira de Resende, para visitar minha avó Dora, com verdadeira amizade e consideração. E como é somente a morte que sela e confirma as amizades, a de Ofélia acompanhou minha avó até o túmulo. Naquele dia triste de minha família, lembro dela pesarosa, carinhosa e presente ao nosso lado. Minha avó sempre foi uma mulher muito além de sua época, e sem lhe fazer favor algum, posso dizer que, mesmo que fosse também herdeira do gênio difícil de nossa família, ela era porém sobejadamente dotada de inteligência invulgar. E foi o pai de Ofélia, o Dr. Affonso Vieira de Rezende, quem num elogio perfeito e gentil, afirmou que " a Dora sozinha, entretêm um salão de conversação sobre todos os assuntos". Eu aqui com meus botões, só posso agradecer a memória do Dr. Afonso Vieira de Rezende, porque naquela época de mulheres caladas,emburrecidas e pouco preparadas, ele foi quem teve a grandeza de deixar para posteridade, (dito por alguém, da estatura cultural e moral dele, já que seu nome era uma legenda em Minas), um reconhecimento tão simpático da boa impressão que minha avó causava.

E toda vez que Ofélia vinha visitar minha avó em Icaraí, quando em temporadas no Rio de Janeiro, vinda do Rochedo, eu era quem, acabada a visita, a acompanhava até a Praça XV no Rio de Janeiro, para embarca-la com segurança num táxi. Segurava no seu braço para pular do flutuante para a barca, e sentados eu já puxava os assuntos, e ai Ofélia contava da fazenda, dos quadros dos ancestrais pintados em Paris: "mandaram a foto, um pedaço da roupa, e o artista pintou o Major Vieira que era moreno, com os olhos claros e alourado feito um alemão", falava das maçanetas das portas "de cristal, iguais a da Quinta da Boa Vista", do quarto de retratos dos mortos, da biblioteca, do administrador, do porão, das obras de conservação... Contava de um escravo que havia estudado pintura na Corte, e decorou a fazenda. Das mobílias feitas pelos escravos. Falava do tio genealogista, do irmão poeta modernista Enrique de Resende e até do Pedro Nava. As vezes ela aparecia com uma ou duas das outras irmãs. A conversa animada era o Colégio Sion.  Era curioso de ver aquilo, as velhotas muito educadas, se denominavam "antigas do Sion", eram falantes, risonhas, muito simpáticas. Falavam das colegas, das freiras muito velhas, antigas mestras que iam a morrer e das que eram lembranças; nomes que ficaram familiares, "Laura Ottoni", "Mère Claver", "Mère Angelina", "Mère Angélica" "Soeur Marilda", e colegas, colegas e colegas: "Morreu fulana.." Os lanches eram sempre melhorados e gostosos, minha mãe se desdobrava na sua simplicidade, com uma toalha limpa, saída da gaveta, e o aparelho de chá de seu casamento, já desfalcado, mas só usado para as visitas. E o pão quentinho, da fornada da tarde, da padaria São Bento, ali na esquina.  Acho que talvez não fosse muito da educação que elas todas receberam, ter crianças a mesa falando, mas nesses lanches sentavam crianças, uma algazarra na mesa, junto com a senhoras, e todos falavam, conversavam, riam, elas bebiam chá, comiam bolo, biscoitos, parcimoniosas, e o queijo que Ofélia sempre trazia, e acabava na mesma hora na pança da criançada.  Que boas lembranças da minha infância!!! Ofélia sempre dizia e escrevia para minha mãe; "minha afilhada precisa ir passar as férias com os filhos no Rochedo". E para mim, ela sempre tinha um convite diretamente do coração agradecido, com o meninote que lhe acompanhava na barca, e na praça XV, era sempre junto do agradecimento do cuidado de acompanha-la; "venha nas suas férias, venha a fazenda...". Nunca fui, mas parece que fui também, tão nítidas são as boas lembranças daquelas conversas e o carinho do convite.

Ofélia Rezende, Esther & Dora Werneck,
Eponina Rezende e Amadeu Machado,
o sombra negra. 

Ofélia, que morreu centenária, era professora amada, de francês, no ginásio de sua cidade. E por falta de sorte, tinha sido (mal) casada com um amigo (picareta) de meu avô Menezes. As vezes nas conversas apareciam notícias dessa sombra negra, até que um dia Ofélia disse que estava viúva. O dito fulano, tinha falecido em Nanuque, (que nome engraçado!!! foi o que pensei e registrei isso quando ouvi isso, la naqueles idos da década de 1960) se não me falha a memória. Conhecia o tal marido, o português Amadeu Cesar Machado, das fotos antigas. Mas, já era isso tudo passado, passado delas, já naquele tempo, e hoje considero incrível ainda lembrar a partir do manuseio da Genealogia Mineira, destes fatos e personagens que fizeram parte de minha infância e mocidade por ouvir, e hoje cabem dentro das minhas memórias e do meu passado. Uma vida realmente contém muitas outras, e também as suas memórias. 


Vou me desfazer deste exemplar, com a dedicatória do Rezende ao Florenzano, mas fico com o outro, que pertenceu a Adalberto Cabral de Mello. Comprei de sua viúva, a Dona Cristina. Mas a primeira vez que vi a Genealogia Mineira, foi este mesmo exemplar que comigo fica, vi na casa e nas mãos do Cabral de Mello, na rua Pinheiro da Cunha, alto da Tijuca, antiga Rua da Cascata. E lembro perfeitamente que pedi emprestado, para mostrar a minha avó, a família de sua comadre. Pois o Cabral, naquela sua grandeza, emprestou na mesma hora, mas abriu o volume da família Rezende e me contou com aquele seu timbre de voz tão característico : "O Arthur Rezende, eu conheci, morava aqui na rua, mais acima, (a rua é uma ladeira) e numa enchente que houve, depois de um temporal de verão, e os volumes da genealogia mineira estavam no porão que imundou, foram maior parte perdidos, os que salvaram ficaram com manchas do molhado". Quase todos os poucos exemplares que eu tenho visto, estão manchados. A mancha de um livro, eu sei o porque, e ela me lembra o Cabral de Mello, e uma rua carioca chamada da Cascata, e que um dia virou cascata de verdade. 

Manchas então são também lembranças. Agradáveis. Os homens todos, um dia viram sombras. E existem estas sombras. Acolhedoras. Os livros sobrevivem aos homens. Somos só guardiões, mas como as memórias morrem e se dissipam, que estas minhas manchas e sombras  recordadas a partir da obra de Arthur Rezende, fiquem aqui. Alguém há de achar graça e ouvir algum eco delas em algum dia. Questão de sintonia. 

 


















domingo, 28 de fevereiro de 2016

"FAZENDA TRÊS SALTOS: QUANDO O VALE CONTA HISTORIAS". OU UM LIVRO GATILHO PARA MINHAS LEMBRANÇAS E OUTRAS ENGRAÇADAS HISTÓRIAS.

Nestes dias que correm, um amigo bibliófilo ligou avisando: "publicaram um livro sobre uma fazenda dos Breves, e tem seu nome na bibliografia, algo que escreveu e está na internet". Pensei com meus botões; lá vem bomba. Mas até que desta vez, não. 

Pela primeira vez um livro destes sobre fazendas cita um texto meu ou pequisa minha fazendo a referência correta. Não sou historiador, nem tenho pretensões a nada, mas a lista de canalhas que tem o hábito desta falta, ou falha intelectual é enorme, e um dia eu vou discorrer com muito prazer, um a um destes casos. Principalmente os oriundos do meio acadêmico vassourense ou dos sobre as fazendas de café. Tem nomes ilustres nesse costume nefasto. 

Os Breves, os antigos proprietários da Fazenda Três Saltos, de Piraí, formaram uma das mais antigas, ricas e estranhas parentelas fluminenses. Merecem mesmo muitos estudos e livros. Souberam ganhar dinheiro com o suor e sangue dos negros, e souberam gastar o dinheiro também. 

Quando eu fui pesquisar meus costados de Piraí, ( arraial dos Breves ), acabei tendo contato epistolar com o famoso cronista da família, o Padre Reynato Breves. Mas logo percebi que ele não poderia me ajudar muito, porque o interesse dele, era obviamente só Breves. Mas foi muito simpático e acolhedor, por meio das cartas que trocamos e tenho guardadas em meu arquivo.

Um pouco acostumado com a bibliografia e iconografia fluminense, acabei comentando com o Padre Breves, da beleza de umas pinturas de antepassados seus, ancestrais desses fazendeiros de origem açoriana, que se perpetuaram na história, pela quantidade de escravos que traficaram, comerciaram e possuíram em suas incontáveis fazendas. Mas fiquei algo surpreso na resposta do Padre, já que também surpreso, me informava nunca ter visto uma tela, que estava reproduzida justo no Anuário do Museu Imperial. Eu providenciei uma cópia para o Padre, e assim fomos trocando cartas, até que tempos depois recebi o grosso tijolo que ele publicou sobre sua família, iniciada nos nobilíssimos Condes de Breves.

Tenho satisfação de ter conhecido epistolarmente o padre Breves, foi um homem infeliz deslocado dentro da igreja católica. Hoje talvez fosse um herói. No dia que lhe lembrarem a vida rocambolesca, decerto será um mito, já que um maldito bispo lhe caçou o sacerdócio e publicou no jornal O Globo, que ele vivia maritalmente com o sacristão. E foi assim, que suspenso das ordens, fundou a sua igreja independente de Santa Teresinha, na Barra do Piraí. Morreu precocemente num acidante automobilístico. Para a genealogia da região, sua morte foi irreparável perda. 

Mas tive imenso gosto de ver neste livro da Fazenda Três Saltos, publicados por Mary del Priore e Eduardo Schnoor, os tais retratos pintados dos Breves, que integram a coleção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 

 São belas pinturas, retratos enigmáticos, embora toscos. Nada pode ser mais estranho e feio por exemplo; que a fisionomia da senhora de toucado e óculos. Tão feia que choca, e acaba por ficar belíssima pintura, pela realidade estranha que documenta. Flagrante vivo do passado. Quase que se pode sentir o cheiro que deviam exalar, nessas roupas endomingadas e suadas. Excelente poder ver as telas coloridas agora no livro da Fazenda Três Saltos. Eu os conhecia sem colorido, publicados por Alberto Lamego, na sua obra O Homem e a Serra. E disso não passava  o meu conhecimento desse assunto; pinturas, retratos e Breves. Mas sabia que pertenciam ao cineasta Mario Peixoto, já que o poeta Alexei Bueno, amigo deste último, tinha visto na casa do próprio Mario Peixoto, em Mangaratiba, que segundo ele Alexei, tinha semelhança notável com o ancestral, o tal velho Joaca, o Rei do Café.

Em dezembro de 1995, ou inicio de janeiro de 1996 eu recebi no meu trabalho, a Livraria Universal, uma telefonema do Embaixador João Hermes de Araujo, (casado com uma Breves Graúda).  O embaixador me era grato: o proprietário da livraria, o empresário Joaquim Monteiro de Carvalho, presidente do Grupo Monteiro Aranha, havia adquirido um belo e antigo album de fotografias, pertencente ao Conde Haritoff, marido de uma Breves, e por minha intermediação, o Dr. Joaquim emprestou o album ao Embaixador, e acabou na sua admirável generosidade, por oferecer de presente o album ao embaixador.

Na residência do Embaixador, eu tinha visto tempos antes, o famoso retrato do José de Souza Breves, vestido com roupas tipicas de açoriano. Era um outro famoso quadro da iconografia dos Breves, tela que tinha pertencido ao museu particular David Carneiro, de Curitiba, e que então, estava em sua coleção particular. O Embaixador achava que este retrato, era de autoria do Jean Batista Debret, e para confirmar a assertiva, mostrava uma gravura da "Voyage Pittoresque et Historique au Bresil",  do Debret, onde está  um fazendeiro que sapeca furibundo com um chicote, um infeliz negro imobilizado com um pau de guatambu. Não havia muito como se negar ser o retrato do fazendeiro Breves e o fazendeiro da gravura, a mesma pessoa.

O embaixador João Hermes nessa conversa, por telefone, fala de diversos assuntos antigos, genealógicos, porque sempre teve um bom papo, e quase ao fim da conversa, ele diz, que tinha ficado chocado, "um parente distante da minha mulher", que se interessava pela história dos Breves, tinha ido num antiquário em Copacabana, e visto a venda todos os tais quadros, que tinham pertencido ao Mário Peixoto, postos lá a venda, por um seu herdeiro ou empregado", (chamado Saulo, Menelau ou Argeu, não me lembro....bem). 

O Embaixador João Hermes, proprietário de uma espaçosa fazenda antiga dos Breves, na região de Volta Redonda, estranhamente disse, para fechar o relato, que não havia lugar para tantos quadros, mas tinha muita pena, de não poder fazer "absolutamente nada", e que assim, os retratos se dispersariam e perderiam. Eu na mesma hora, de pronto falei: "o senhor, que é vice-presidente do Instituto Histórico, e já que o tesoureiro lá é o Victorino Chermont de Miranda, que tem um grande interesse em iconografia antiga do império, fale com ele, que o Instituto compra tudo. Esses quadros tem alto valor histórico,  extrapolam o interesse familiar, e assim ficam juntos e preservadas". O ovo de Colombo foi posto por mim em pé, e o embaixador exclamou: "Que boa ideia, é verdade, falarei com o Victorino" e desligou o telefone. Esta foi toda minha participação no caso, e mais eu não soube, nem o embaixador deu um qualquer retorno do andamento do que falara, até que em um outro dia, um outro camarada da genealogia, que era então, também casado com uma Breves (Miúda), entra na livraria e fala: "Roberto, eu ia chegando no IHGB, e estava o Dr. Victorino Chermont desembarcando todos os quadros dos Breves que estavam a venda em um antiquário de Copacabana. Mas ele pediu que não falasse nada disso com ninguém, especialmente com você (sic) Roberto, pois é um segredo"; (uma surpresa para o aniversário ou uma efeméride qualquer do Instituto).

Esse é o Brasil, e os homens cultos de nossa terra. A intelectualidade nativa. As penas dos pavões , até as menores, e menos coloridas, rodam de rabo em rabo de urubus, e os pavões coitados, que já tem as canelas horrorosas, estão sempre com os rabos depenados, iguais frangos de geladeira de supermercados.... Em compensação, urubus lindos....


Ora bolas, eu não tinha nem visto os tais quadros, mais a sugestão da aquisição pelo IHGB foi minha, ao embaixador, não tinha porque esconderem a compra. Saiu o camarada da livraria, e entrou o autor do livro agora publicado, sobre a Fazenda Tres Saltos, o historiador Eduardo Schnoor, por isso essas lembranças. Eu, já por ser grande o segredo do polichinelo, informei logo da compra dos quadros dos Breves pelo IHGB.  Foi o que bastou para Eduardo Schnoor pegar o telefone e imediatamente informar ao jornalista Elio Gaspari do acontecido. O jornalista parecia ter interesses também na história dos Breves. O jornalista me ligou e fez umas perguntas. Ficou de ligar mais outra vez sobre o assunto, e não aconteceu. 


Assim foi o porque, que no domingo 14 de janeiro de 1996, na hora do meu almoço, recebo uma chamada telefônica, e do outro lado da linha, uma mulher aflita e histérica, perguntava aos gritos, como se mortalmente ferida, se eu era o (famigerado) Roberto Menezes de Moraes? Ofegante, perguntava se tinha sido eu mesmo que tinha "descoberto" os quadros dos Breves num antiquário de Copacabana???? Se eu confirmava isso....   Um mal estar, naquela tarde calorenta, no meio de um bom almoço.... ela passou o telefone ao marido, para ele vociferar bravo, para reclamar, que eu lhe tinha arrancado (as penas ou) o mérito da descoberta notável dos quadros num antiquário qualquer mambembe de uma galeria na Rua Siqueira Campos. Foi ai que entendi, mais ou menos, que tanta agonia, era devida ao fato que no O Globo daquele domingo, tinha saído um artigo de pé quebrado, sobre a epopeia dos benditos quadros. O cidadão não fez nenhuma questão de entender minhas explicações, enfurecido desligou sem despedir, e eu tratei de ir ler o tal artigo.  Reproduzo ele aqui, já que  o vejo publicado, estropiado com cortes, num site de Café e Breves. Claro que meu nome não aparece, e nem deveria. Entendo. Mas como saiu no artigo, e o embaixador confirmou tudo ao jornalista, ao bem da verdade, fica aqui o registro correto e a minha explicação.

Minha sorte com os Breves foi sempre fugaz, já que tempos depois, outros deles entrariam em contato comigo, por motivos diversos, mas nesse meio tempo, para piorar minha consideração e fama no meio dos nobilíssimos Breves, o genealogista açoriano Jorge Forjaz localizou a verdadeira origens dos "nobres Condes de Breves", na ilha de São Jorge. A verdade era serem eles oriundos de uma qualquer mulher solteira, cujo descendente tinha o apelido de Breves. Naquele estropiar de linguajar açorita, em que apelidavam-se uns aos outros com os epítetos mais incríveis, de maneira talvez de os diferenciar no meio do populacho e daquele extraordinário ramerrão de sobrenomes repetidos, onde por nove ilhas, todos são Coelho, Medeiros, Silveira, Dutra, Avilas, Fragas, Oliveiras etc etc etc.... Resta saber o que eles faziam naquela época, de breve para ganharem o apelido ligeiro. Se fosse hoje, eu sugeriria a hipótese de que são breves para telefonarem e reclamarem. E para esses outros que me escreviam, eu feito um idiota, a imaginar que queriam saber a verdade da origem ancestral, dava a boa nova, da verdadeira prosápia, não francesa, mas açoriana, para nunca mais receber notícias ou um obrigado pelos informes.... Acabei por publicar a verdade, quando chamado para colaborar no trabalho do Instituto Cidade Viva, que serviu de bibliografia, e motivo de aviso do meu amigo bibliófilo. 

Por hora hoje basta, vejo espantado que se passaram vinte anos do domingo fatídico.  Hoje por sorte temos a internet para divulgar outras versões de fatos e queixumes antigos. Acho que antes de morrer devo deixar acertadas aqui outras situações similares.

Volto BREVE, genealogia sempre rende papos, lembranças e descobertas incríveis: minhas próprias pesquisas mostraram no fim, que não há Breves no Brasil, que não sejam descendentes também de ancestrais meus, pois um dos mais remotos deles aqui na serra fluminense, casou-se com uma tia ancestral minha, de não sei quantas gerações. Se eu fosse como uma genealogista pretensiosa e falseta que conheci, Dona L.... , não hesitaria de declamar assanhado, essa tia que num emaranhado de casamentos, me liga a todos os Breves, graúdos e miúdos, como minha "tia tatara-tatara-tatara-atara-avó"..... 

Mas que ilusão!! Tudo dessa gente antiga é ilusão, nada do que se orgulhar, eles são tão caiporas quanto é este falar desta sacana e macróbia. Se singelos caipiras foram os velhos Breves, sapecadores de infelizes negros da região fluminense de Piraí e São João Marcos, assim também foram também, todos os integrantes da minha ancestralidade fluminense, com raras exceções. 

Ter trabalhado tantos anos em livraria, em contato direto com o público, onde entrava um e saía outro, o tempo todo, tudo que acontecia no Rio de Janeiro, as coisas mais dignas e indignas, acabavam ecoando pelo ambiente da livraria. Sabia-se assim de tudo que forma o material que rende as boas memórias. Quem sabe um dia......

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Os Açores são aves marinha de rapina, a genealogia de lá que me voou por artes de um cara de bagre, e retornou no bico de um abutre.....

Meu intento original era escrever somente sobre a bibliografia genealógica brasileira do século XIX. Eu vinha publicando minhas reflexões em ordem cronológica, explanando sobre cada livro da coleção que formei e julgava tão completa e fechada quanto é o cânone bíblico para os luteranos, isso no que tangia ao que fora publicado no Brasil até o inicio do século XX. Mas acabei empacado, por ser obrigado a escrever sobre um determinado livro, do qual não tinha nenhuma vontade ou gosto de escrever, mas era o que estava na fila pela cronologia. E para piorar a situação, apareceu um outro livro, que eu não tinha conhecimento que existia, que abriu e bagunçou o meu cânone genealógico, tanto que eu fui obrigado a compra-lo. 

É engraçado, aqui parece que se escreve para o vento, mas o controle automático das visitas no blog mostra como tem sido o movimento destas páginas, mesmo sem nenhuma publicação por um largo período. Movimentadíssimo!!! Um mistério!!! Pensei que isso era feito um diário secreto, que eu só partilhava com alguns amigos. Ledo engano!!! Assim, além dos amigos que falam pessoalmente, sobre o que tenho escrito, deve ter mais alguém que tem apreciado ou vigiado isso aqui, o que não deixa de ser um estimulo para continuar a escrever. Isso também não importa muito, eu um dia percebi que quem escreve, geralmente não escreve para ninguém, escreve primeiro para si mesmo, porque no geral o autor, quer ler justo aquilo que não leu em lugar nenhum.  Por isso ele escreve. Se satisfaz. Isso quando ele não é um plagiador, como muitos que existem, a sugarem textos e ideias de terceiros. E isso bem poderá ser assunto para um post mais adiante....

Bom era não precisar explicar muito, e falar logo dos livros de genealogia. Vou então pular a minha lista cronológica, e passarei a escolher a esmo, e rememorar o que quiser em livros e genealogia. Hoje então, quero lembrar como comecei a ter contatos com os livros de genealogia propriamente ditos, e como nesse mundo do colecionismo, tudo é ao mesmo tempo, tão impossível como possível!!! Vou escrever sobre um livro que tenho prazer de possuir, e os nomes de uns autores e genealogistas que conheci enquanto o buscava.

É bom invocar a memória de mortos de qualidade!!! Não sou espírita, mas esse é um grande mistério!!! Tenho certeza.

Minha avó tinha uma listinha de livros da família dela, que eu quando rapazote comecei a andar sozinho pelo Rio de Janeiro, comecei a procurar para comprar. O primeiro da lista foi o Livro da Família Werneck, do Dr. Belisário Vieira Ramos, publicado em 1947 pela Livraria Francisco Alves. Me lembro o dia que entrei pela primeira e única vez na famosa livraria do velho Alves, na rua do Ouvidor, já com as prateleiras praticamente vazias, para perguntar inocentemente ao vendedor se eles ainda tinham o tal livro do Belisário no estoque. Evidente que não tinha. Da compra dessa obra que fiz mais tarde, por uma indicação de Victorino Chermont de Miranda, eu farei com gosto, outro dia, um novo post. 

Um ensinamento eu tirei depois de muito observar, é que acho que não devermos ter nenhuma meta na vida que seja muito rígida. Nada que se aflija ou fruste muito. Não é ser desleal, desonesto, desleixado ou indolente, mas sim não deixar de seguir sempre adiante, mas sem aflições ou torturas, pois o que tiver que acontecer,  pelo caminho que se escolhe e passa, isso foi que vi, as coisas boas acabam chegando ou não, por mais impossível ou difícil que pareçam. E muitas vezes, por mero acaso, acontecem as melhores. Há que se ter uma sensibilidade. Uma meta muito rígida ou difícil que se estabelece, pode ser justamente em muitos casos, o que afasta quem busca, do melhor que pode lhe estar reservado. Tentarei explicar o porquê. 

Naquela busca dos livros da lista, nem lembro mais como, ai por volta de 1970 e pouco, caiu nas minhas mãos, emprestado ( mas nunca devolvido, explicarei depois por que....)  pelo velho primo Dr. Vladimir Werneck Furquim de Almeida, um exemplar do História e Genealogia Fluminense, publicado em 1947, pelo meu depois muito amigo, o Dr. Francisco Klörs Werneck. Pois nesse livro do primo Werneck aparecia uma citação de um tal livro do Marcelino Lima, Famílias Faialenses, (publicado na cidade da Horta, ilha do Faial, Açores, em 1923). Fiquei curioso para examinar a obra, e a procurei em livrarias e bibliotecas, numa época em que não existiam computadores e internet, não achava nenhuma pista. Avis rara, rarissima!!!  Assim não tive outra solução, que não fosse tomar coragem, e pelo telefone perguntar ao Dr. Werneck, que eu não conhecia, mas com muita cerimonia, onde e como eu poderia conseguir ter acesso ao tal livro açoreano.

As minhas visitas e amizade com o primo Francisco Klörs Werneck, que começaram a partir dessa telefonema, ainda darão mais um outro post aqui. Esclarecedor até, já que umas comadres velhas andaram ha uns tempos, transbordando de tricotar longas tranças de invejas sobre minha amizade com o bom primo Werneck. Mas isso é assunto de  mais adiante!!!

O certo foi que liguei para o primo Klörs Werneck, que me convidou ir a casa dele no Leblon, com aquela velha hospitalidade e acolhida fraterna dos antigos da família. Quando lá cheguei, ele disse que sim, tinha tido o tal livro de genealogia açoriana, muito raro, que eu buscava, do Marcelino Lima, mas que quando ele, Werneck, se mudara da Tijuca para o Leblon, por falta de espaço, havia vendido uns livros, e que este justamente, fora um  dos que vendera para um genealogista chamado Adalberto Britto Cabral de Mello, que devia morar no bairro da Tijuca.

Dessas coincidências notáveis na minha vida, (as facilidades do caminho) poucos dias depois, estava na seção de obras raras da Biblioteca Nacional, consultando o famoso nobiliário português do Felgueiras Gayo, quando um senhor consulente, com uma voz muito característica, baixinho, de terno e gravata, sentado na minha frente, na mesma comprida mesa, iniciou uma conversação, curioso sobre minha pesquisa. Os bons genealogistas tem sempre isso, essa curiosidade e disposição fraterna, para exercitar a boa vontade de ajudar. Eu buscava os Lacerdas, dos Lacerdas Werneck, dos Peixotos de Lacerda que foram citados no livro do Marcelino Lima.

A seção de obras raras da Biblioteca Nacional naquele momento era comandada pelo famoso e antigo professor Sebastião Hasselmann, trânsfuga do mosteiro beneditino, homem corpulento, alto, com os óculos amarrados com barbantes, botão da camisa estourando e revelando a grande barriga branca, que indo e vindo com os volumes do nobiliário, falava alto da minha pesquisa, para o meu constrangimento:  que ele era Lacerda da Bahia, do Elevador, falou de uma filha natural do avô, com uma escrava que nasceu negra de olhos azuis. Ele não parava de falar, isso creio hoje,  foi o que acabou por introduzir o tal senhor na conversa, que era velho conhecido do funcionário da Biblioteca. O senhor consulente para meu espanto, afirmou que era Lacerda também, e que tinha a tal ligação que eu queria, na árvore genealógica das filhas. Eles evidente que estavam também a gozarem o novato, pois determinado momento que achei um algo que queria e comentei com o senhor consulente, ele risonho falou para o Hasselmann, que me trouxesse uma coroa que estaria guardada na seção, já que os Lacerdas são sabidos serem descendentes de São Luís, rei da França.

Mas a conversa pegou, e o senhor consulente falou também de suas origens da Ilha da Madeira, da Ilha de São Miguel, dos Botelhos, de varonias e varonias de Botelhos, de brasões, de Carlos Rheingantz, e do Colégio Brasileiro de Genealogia, de Salvador de Moya, de sua família, de seu pai desembargador e genealogista, de casamentos de primos, de Pernambuco e de genealogias e outros genealogistas, e só no fim, ao se despedir, que ele se apresentou, me oferecendo o cartão de visitas, onde estava lá o nome dele: Adalberto Brito Cabral de Mello. Eu disse de imediato que era primo do Klörs Werneck, e que andava querendo ver o livro do Marcelino Lima que sabia que ele devia ter. Ele confirmou, que aquele livro era talvez um dos dois ou três que existiam no Brasil,  e que eu o poderia consultar em sua residência, na Rua Pinheiro da Cunha, e mais, que eu o procurasse, tinha planos de se mudar, e poderia me dar de presente um bom lote de livros que estava separando para descartar, duplicatas e outros sem grande interesse para ele. Que eu quando fosse, que levasse uma mala.

Tempos depois fui bater lá no alto da Tijuca, na Usina, na Rua Pinheiro da Cunha, antiga da Cascata, onde conheci sua mulher e prima, Dona Cristina, uma simpatia de senhora, tomei café, sai tarde e vim carregado de livros, trazendo emprestado o exemplar do Marcelino Lima. Antes de me entregar o livro, ele pegou uma caneta ( marca Bic, amarelinha, ponta fina, que sempre usava, de variadas cores, em suas pesquisas, fichas e gráficos, geralmente em compridos papeis quadriculado de escriturações contábeis) e assinou o nome dele na folha de rosto do livro, no canto superior esquerdo. Tirei as notas que quis. Minha mãe e uma irmã copiaram diversas páginas, pois naquela época, nem tão fácil era assim tirar cópias. Era caro e a grana era muito curta. E com muita pena, de não ter um exemplar daquele, devolvi o livro ao Cabral de Mello. Mas guardei todos os detalhes do exemplar. A encadernação e as anotações feita pelos diversos proprietários por quem a obra tinha passado. Voltei algumas vezes a residencia do Cabral de Mello e Dona Cristina, para ganhar e emprestar outros livros, depois que eles mudaram para a Rua Silva Telles, no Andaraí. A conversa e hospitalidade era sempre boa. Dona Cristina observava muito os genealogistas, e sentada numa bonita cadeira de balanço antiga, fazia observações muito precisas e curiosas de alguns personagens que então eu ia conhecendo, ou que quando acabei por conhecer, já estava bem alertado dos riscos que correria......

Uns dez anos depois, a vida de trabalhador havia me afastado do bom amigo Cabral de Mello. Depois do ano de 1976,  a sopa de andar por arquivos e bibliotecas acabara. O horário era duro e a pesquisa de genealogia ficou para lá. Nas férias as pesquisas sempre continuavam, tanto que acabei um dia, em casa de minha prima e amiga Vilma Dutra Novaes, em Rio das Flores, sabendo de um outro ramo de meus antepassados, os Garcia, que vinham da freguesia do Salão, na ilha do Faial. E pensei e falei no livro do Marcelino Lima, e no Cabral de Mello. Precisávamos o consultar novamente.

Estava presente no momento, na casa de minha prima, uma digamos, sombra funesta, que ficou no entanto calada. Cheguei no Rio de Janeiro, e mandei uma carta para o Cabral de Mello, pedindo novamente o livro emprestado. Ele respondeu, que emprestaria sim, que tinha sido oportuna minha solicitação, por que o livro estava emprestado ha muito tempo, e que era um bom motivo para ele o pedir de volta; para poder me emprestar. E informou que ele, que antes trabalhava no escritórios da Casa Colombo, agora estava trabalhando na administração do Hospital da Ordem do Carmo, na Rua do Riachuelo, onde eu deveria encontrar com ele, tão logo o livro lhe fosse devolvido. Nem preciso dizer, que a pessoa que tinha pego o livro emprestado, era justo a tal sombra funesta e calada da casa de minha prima.

Para minha decepção, e tristeza, o Adalberto Brito Cabral de Mello não chegaria a me emprestar novamente o livro, pois vi no jornal, que ele havia falecido. Imaginei que o livro nem tivesse sido devolvido pela sombra. Mas deixei passar um tempo, e escrevi para a viúva, Dona Cristina, dizendo que se ela desejasse vender aquele livro, o das Famílias Faialenses, eu estava interessado. Não disse, mas pagaria na obra, o quanto ela pedisse. Depois de largo tempo, ela respondeu que sim, venderia,  e que tinha demorado na resposta, porque nesse ínterim, os livros tinham sido organizados e apreçados por um amigo do Cabral de Mello, um Senhor Maranhão, e que eu marcasse com ele, para poder ir lá comprar a tal obra. Acertado um sábado de tarde, lá fui a casa do falecido Cabral de Mello.

Ao chegar, pergunto logo pelo livro, e o Senhor Maranhão, com a cara bem disfarçada e algo feliz, informou que um primeiro comprador já o havia adquirido. E não quis revelar o nome do comprador da obra que eu tanto queria. Mas como o  bom cabrito não berra, não reclamei, nem perdi a viagem, adquiri outros livros para minha coleção, que então era muito menor que a do Cabral de Mello. Os preços postos pelo Senhor Maranhão, (que não era profissional de venda de livros, e sim um curioso, atravessador e amador, todo inseguro dos preços que marcara), eram absurdos e confusos, o que devia ser caro era barato, e o barato era caro. Por isso nesse dia comprei a coleção inteira do Artur Resende, a Genealogia Mineira em 4 volumes, mais os índices.. Com um lápis com um borracha na outra ponta, o Senhor Maranhão ia acertando os preços, na vista dos compradores, a medida que eram escolhidos, com a justificativa benemérita que a venda era para ajudar a viúva. Dona Cristina no entanto, não participava de nada,  ausente com sua  tristeza, fora do quartinho onde estava sendo dispersa a biblioteca do seu bom marido. E assim, sai de lá frustrado, e minha vida seguiu. Tempos depois minha prima Vilma Novaes, conseguiu em Portugal, através de uma figuraça de suas relações de amizade, uma cópia completa do livro do Marcelino Lima. Eu tirei outra cópia para mim, mandei encadernar e fiquei bem feliz.

Dez ou quinze anos depois, uma dia toca o telefone da livraria que eu gerenciei por longos 12 anos; era um desses detestáveis pseudos clientes bibliófilos, que nada mais são que abutres disfarçados de bibliófilos, carniceiros. Este era um vil atravessador de livros dentro do comércio alheio, do tipo dos que vivem sempre na espreita de dar uma abocanhada no livreiro, ou uma bicada num incauto comprador. Como esse gajo sabia que eu colecionava livros de genealogia, queria a ajuda para colocar os preços nuns livros que tinha comprado na casa do já ha muito tempo falecido genealogista, o Dr. Leoberto de Castro  Ferreira, um dos sócios fundadores do Colégio Brasileiro de Genealogia, pessoa que conheci ligeiramente num jantar festivo, mas de quem só ouvi boas e melhores referências. Então o miserável do carniceiro travestido de bibliófilo entendido e sabichão, agora no papel de vendedor, foi crocitando pelo telefone, os títulos e os autores,  e eu bobamente respondia, "esse eu tenho, vale, e vale tanto!!" quando ele falou: Marcelino Lima, Famílias Faialenses, eu gelei , não consegui esconder direito o desejo, e disse honestamente: "esse eu não tenho, veja quanto quer nele, que tenho interesse e eu compro".

E assim ficou acertado, ele me venderia. Deu a palavra. Fiquei super ansioso, na espera de ver o exemplar. para poder saber de quem seria o quarto ou quinto exemplar no Brasil.  E o miserável carniceiro bibliófilo, que pousava todo dia na livraria desapareceu. Nunca mais foi, nunca mais, até que um dia entra pela porta, com  cara bem sinistra e faminta, e fala com a arrogância que lhe era habitual:  aquele livro, marquei caro, (seria algo em torno de R$ 500,00!!!), você não pagaria, deixei na livraria Camões para vender em consignação, e mais; "O Estrela, vai vender para o Waldyr Cordovil". Eu de pronto respondi:  "pois eu pago o dobro, vá lá busca-lo que pago agora em dinheiro". Foi o quanto bastou, para que o abutre esquálido colocasse sebo nas canelas finas, levantasse voo com as asas negras e encardidas, depenadas pela penúria dos que não trabalham, e fosse com o bico imundo e pernóstico, rápido buscar na Livraria Camões o tal livro. Quando retornou, para minha surpresa e disfarçada emoção, era o mesmo exemplar que fora do meu primo, o mesmo do Cabral de Mello, o tal que na minha juventude tinha estado em minha casa, o próprio que minha avó tinha visto junto comigo. Ele havia rodado o mundo  por mais de vinte anos e vinha agora para as minhas mãos, para ficar aqui na minha estante, ao meu lado.

Em 2007 esteve no Rio de Janeiro o amigo e grande genealogista açoriano Jorge Forjaz,  levei com satisfação meu exemplar para mostrar e pegar a sua assinatura, como prova de que aquele volume tinha estado também em suas mãos. Ele no entanto preferiu escrever numa das folhas brancas iniciais o seguinte texto: Em Memoria de Marcelino Lima, numa bela livraria do Rio de Janeiro, juntaram-se três genealogistas, todos com sangue do Faial, lembrando a Pátria Comum. Rio de Janeiro, 28.11.2007. Jorge Forjaz, a minha e mais outra assinatura, a de Paulo Fernando Telles Ribeiro.  Este texto escrito por quem escreveu, pelo valor humano e cultural que representa em sua terra, onde é profeta, é a bula que me concede a mais legítima cidadania açoriana honorária. E como tudo na vida tem um motivo, foi nesse mesmo dia, que Jorge Forjaz  me convidou para colaborar com a parte brasileira da edição da obra monumental que escreveu com Antonio Ornellas Mendes, publicada em 2009. Famílias das Quatro Ilhas ( Faial, Pico, Flores e Corvo).  Por ocasião do lançamento, fui a Lisboa com o meu livro, e lá ele complementou o texto de 2007, e em seguida eu coletei as assinaturas de diversos açorianos presentes no lançamento. No dia seguinte levei o meu exemplar, de volta ao  local onde havia sido impresso em 1923, na Tipografia Minerva Insulana, na cidade da Horta, na própria Ilha do Faial, onde coletei outras assinaturas de faialenses que achei tinham esse privilégio, gente que eu não gostaria de esquecer naquela viagem. A tiragem deve ter sido mínima. A Biblioteca da Cidade da Horta tem um exemplar. Contando os que devem ter sido perdidos, não creio fosse a tiragem de mais de duzentos ou trezentos exemplares. Imagino a dificuldade de em 1923 se conseguir papel com fartura numa ilha isolada no meio do Atlântico.

Hoje vejo, que foi a listinha que recebi de livros de genealogia de minha família, mais a nota que li no livro do Klörs Werneck, e toda a busca deste livro Famílias Faialenses que ali era citado, que acabaram por me despertarem para os Açores, e me aproximar de diversas pessoas, que passaram a ser lembradas e estimadas na minha vida. Para no final, me proporcionar, de forma muito honrosa,  ser colaborador na obra que foi feita nos Açores, em cujo prefácio está escrito ser uma atualização da obra Famílias Faialenses, de Marcelino Lima!!!

Os Açores assim, é hoje por eleição, minha terra ancestral adorável. Recentemente estive lá de novo, por mais de dois meses. Perambulando pelas ilhas, vendo as freguesias de onde saíram os meus ancestrais. Tenho sangue das nove ilhas!!! Acharam lá tudo isso tão diferente; um brasileiro com costelas açoritas, tanto tempo passeando além dos turistas convencionais, que fizeram uma reportagem de capa e 4 páginas (12/15), muito ilustradas, na edição da revista Didomingo do periódico Diário Insular. Falaram que a genealogia poderia ser um ponto para um turismo diferenciado. Que lá existem casas, lembranças e sepulturas de antepassados de pessoas espalhadas por todo o mundo. A diáspora açoriana. Não é nada, não é nada, mas quando lembro o início de tudo, vem a certeza que valeu a pena, distraiu a minha vida, não foi vício, não teve maldades. Ajudei muita gente a descobrir suas raízes açorianas. Tudo é prazer, embora muitos nem mereçam. Ficam no olvido!

Quanto a mim, no entanto, tenho a certeza que quando eu não estiver mais aqui, ainda o meu nome e dos meus filhos, estarão incluídos dentre os integrantes daquelas famílias açorianas, as mesmas famílias faialenses das quais um dia eu tive, lá no passado, o prazer de ler num documento guardado no Arquivo Nacional, onde debaixo do nome de meu sexto-avô André Francisco Peixoto de Lacerda da Silveira Bittencourt e sua mulher constava: "este casal pertencia as melhores famílias das ilhas". Isso é um nada para quem não tem ou liga, mas é meu passado, é imutável, e é muito para mim, e foi o que me deu a dimensão exata de que também integro a diáspora açoriana, e isso não por mim ou meus méritos, mas pela vida e luta de meus ancestrais. Só quem tendo sangue de corvinos, e foi até a ilha do Corvo, a menor dos Açores, percebe exato o que é isso!!! Não são tintas de nobreza, nem de riquezas, não é luxo, mas é a noção de pertença, de acolhimento, mas também obstinação de viver, coragem,  fé no futuro dos pósteros, a sabedoria e a alegria para se conseguir sobreviver na adversidade do mundo e da vida. São exemplos a serem pensados e maturados. Então, este é o meu norte exato. Isso tudo foi a expansão do meu entendimento, conseguido a partir da tomada de consciência que me despertou a leitura das entrelinhas da genealogia do livro do Marcelino Lima, enquanto eu sem me angustiar ou cobrar a tal grande meta, segui tranquilo o meu caminho.

E tudo fluiu!!! Quem não conseguir ver a genealogia desta forma, só perdeu tempo. Se eu conseguir morrer pensando nisso tudo assim, partirei feliz e a morte me será suave. Morrer, disse o Cristo numa parábola, é retornar a terra dos ancestrais.Parece piegas, mas se todos vamos morrer, que haja este consolo....é uma meta menor do que pensar na morte só em sofrer!!!
 
Quanto ao estimado exemplar, não vendo por nada, não dou e nem empresto para ninguém, egoistamente é só meu. É o brilhante da coroa de minha coleção, são mil e trezentos e tantos títulos de genealogia, maior parte que nada tem a ver comigo, mas este não, é importante para mim, é meu, então pedirei aos meus filhos que quando eu morrer, o entreguem de imediato, a biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de maneira que tenha utilidade como livro, mas que nunca mais pertença a ninguém particularmente.

Isso aqui já vale como um codicilo. Que assim seja, e que eles respeitem as manias de um colecionador com manias de genealogias!!!.







PS. Tempos modernos da Internet: Hoje antes de publicar estes texto, achei dois exemplares a venda do Famílias Faialenses, em livreiros estrangeiros, um dos exemplares está cotado em mais de 400 Euros!!!






sábado, 27 de dezembro de 2014

Genealogia, Empadas, Natal e Algumas Lembranças...



Um longo hiato. Não é que a genealogia para mim, nada mais sirva, afinal foi o meu interesse por ela, que proporcionou um tanto de boas coisas em minha vida, e numa dimensão tal, que só eu que sei!!! Mas nessa quadra da minha existência, com a experiência de vida que tenho, nesse mundo tão modernoso e bagunçado, já não vejo muita praticidade.

Nem sei mais direito como tudo começou, achava que era por causa de velhas fotos que achei um dia chuvoso, jogadas no chão de um quarto de guardados. Hoje, no entanto, distraído com outros afazeres, culinários, ocupado com uma massa de empadão que não deu muito certo, me vieram as lembranças de umas empadas que comi na infância, e percebi como o interesse dito genealógico, já estava permeando tudo, a muito mais tempo, de forma quase invisível na minha vida.

A genealogia é uma teia que liga não só parentes, mas o mundo, o nosso mundo, a outras histórias e outras vidas.

Havia uma senhora, amiga antiga da família, de minha mãe, de minha avó, e tias, dessas que se cumprimentam com alegria e intimidade nas ruas. Ela passava por frente de nossa casa sempre, para as compras, e um dia em que apressada, explicou, não podia conversar, tinha ido comprar camarões para fazer umas empadinhas para alguém. Eu sempre (infelizmente) metido a engraçado e debochado, na mesma hora disse que gostava muito de empadas. Essa doçura de senhora que chamava-se Nerina Cianconni da Silva, com os olhos muito claros e sorridentes, achou graça da franqueza e desejo do pré-adolescente, e prometeu fazer umas para mim também.

Dito e feito, dias depois ela me chamou na porta de casa, e entregou-me um prato de papelão de bolo de padaria, coberto com um pano de prato muito limpo, com uma dúzia de grandes e deliciosas empadas, ainda nas forminhas de metal, que pediu para depois eu devolver.

Eu conhecia o apartamento térreo em que ela morava, na antiga Avenida Estácio de Sá. Passava sempre ali, vindo do colégio. Quando fui devolver as formas, mandou que eu entrasse, para que a mãe dela, já bem velhinha, pudesse ver como eu estava crescido, já que tendo morado no apartamento (também) térreo do Edifício Grijó, da rua Nóbrega, em Icaraí, onde eu havia nascido, me conhecia desde sempre.

O autor numa das arvores de D. Eponina, e seu irmão mais velho.
A mãe de Nerina, era a dona Eponina Monteiro de Barros Couto, Cianconni pelo casamento. Me lembro dessa senhora, nas manhãs da minha mais distante infância,​ com uma caixinha redonda de Catupiry, junto a si, indo espalhar nos pés das arvores da calçada defronte do nosso prédio, miolo de pão, enrolado em bolinhas, para os passarinhos. Às vezes eu ia atrás dela, que repartia as bolinhas para que eu também participasse daquele ritual. Muito boa velhinha, um dia ficou toda feliz por que eu a chamei de “santinha dos passarinhos”.

Dona Eponina se vestia, naqueles idos de 1960, com uma roupa caseira que ia quase até o chão. Não me lembro de a ter visto com um vestido com a bainha no meio da perna, ou que lhe aparecessem os braços nus ou os pés com facilidade. Portanto quando vejo uma foto de uma senhora do início do século XX, nunca me permito estranhar, que no meu inconsciente esteja ela vestida na moda da Dona Eponina. E assim eu pela vida afora, tenho vestido todas as mulheres distintas daquelas épocas, que não vi pessoalmente ou vi a imagem, e que quero imaginar como eram.

Eu bem criança, antes dos seis anos de idade, entrava na casa de sua outra filha, a Dra. Miriam, com quem ela então morava, na época do Natal, para ver o presépio que ali era montado. Num caminho de areia, que serpenteava por todo o presépio, e rodeava um lago de espelho, e por meio de centenas de carneiros e seus pastores, os Reis Magos ficavam distantes até que se aproximavam da manjedoura no dia dos Reis. Aquilo para mim era eletrizante!!! Boas lembranças!!!

Minha avó Dora tratava a​ Dona Eponima como potência de mesma base. Era uma sinalização rara. Anos depois, quando bem enfronhado na genealogia, foi que eu  meio que intui o porque; aquela consideração, aquele respeito, aquela etiqueta, já vinham de gerações passadas. Entre elas, falavam uns nomes, que minha memória se acostumou a ouvir com alguma familiaridade. Não, não eram parentas nossas, mas elas tinham gente amiga e parentas em comum desde sempre. Saía um nome engraçado que me lembro bem; da Frederica, tanto que depois, o coloquei numa galinha vermelha, que ganhou um concurso de Miss promovido no  nosso galinheiro por um amigo frequentador do quintal da casa em morávamos em Icaraí.. .

Mas saía também o nome da mãe ou avó da tal fulana Frederica, a Baronesa Monteiro de Barros, amiga de meu bisavô Caetaninho, lá em Vassouras, no inicio do século XX. Amizade da mocidade deles, o que remontaria então, aos meados da segunda metade do século XIX, e ela havia sido amiga muito gentil em sua doença no final, no ano de 1909. Se ninguém agradeceu bem aquilo naquela época, eu hoje digo à memória dela: Obrigado!!! Já o brigadeiro Inácio Gabriel Monteiro de Barros, parente de Dona Eponina e da Baronesa, havia mais remotamente, durante a Revolução Liberal de 1842, cruzado e entregue o comando da 13ª Legião da Guarda Nacional, para o nosso ancestral, o Barão do Paty do Alferes. Era tudo, e todo um Brasil Imperial lembrado, umas fumarolas do passado da gloriosa e próspera província fluminense cafeeira que esvoaçavam naquelas conversas rápidas de Icaraí.

Dona Eponina tinha casa de veraneio em Paty do Alferes, onde já adulto, eu também andei , pois é a velha vila dos meus ancestrais, e numa visita que ali fiz a Dona Dulce Bernardes, espécie de sentinela moral, religiosa e social do arraial, era a zeladora mor da igreja e do cemitério, comentei que havia conhecido, e sido vizinho desde que nasci, da Dona Eponina e de suas filhas Myrian e Nerina. Ela arregalou os olhos e exclamou, num misto de assombro e veneração: o Dr. Cianconni era parente do Papa, e dona Eponima, (que era uma velhinha frágil), tocava piano admiravelmente bem, com o vigor de um homem.

Pois, nesse dia da devolução das forminhas das empadas, entrei por uma porta lateral do apartamento de Nerina, uma espécie de escritório, e vi pendurado na parede um quadro que me pareceu enorme, impactante, era o retrato do pai de Dona Eponina, Eduardo Leite de Abreu Couto, pintado em Londres quando lá estudou em menino. Fiquei encantado com a pintura. Lembro-me bem desse quadro até hoje. Posso quase que o descrever. Lembro as cores, o claro e o escuro, a textura do verniz, a elegância do retratado, a beleza e largura da moldura, e bem sei, o quanto aquilo representava de todas aquelas velhas famílias que elas pertenciam, Monteiro de Barros, Leite Couto, Breves etc etc.

Dona Eponina já morta, muitos anos depois, eu lembrei que a Nerina havia se queixado que existia um livro da família delas, o da Família Monteiro de Barros, de Frederico de Barros Brotero, que ela havia perdido ou mal emprestado. Foi assim, que eu já adulto, recordei do caso das empadinhas, do gesto tão carinhoso da Nerina e tendo uma duplicata da obra, peguei-a ​e fui , numa manhã de férias, lá tocar no novo endereço em que morava Nerina e o marido, e para sua surpresa, ofereci-lhe o volume, que é obra escassa e muito estimada em genealogia. Seus olhos avermelharam e lacrimejaram ao lhe lembrar o passado e mãe e o gesto. Foi rápido, fui sem avisar, era quase hora do almoço, chamou para almoçar, não aceitei.

Mas na sala eu novamente vi nessa ocasião, o quadro do avô Eduardo Leite de Abreu Couto, já sem a moldura original, e, para meu espanto, a pintura pareceu infinitamente menor e menos imponente do que aquela que eu tinha visto em criança, e que sempre admirava quando passava pelas janelas de sua casa, indo e vindo para o meu colégio, o Instituto Abel.

Hoje estou com a certeza que, minha sensação com a genealogia, embora ela tudo perpasse, está igual a tal impressão que tive ao rever o quadro aquela última vez.





domingo, 25 de novembro de 2012

Umas lembranças não importantes. (Um hiato na bibliografia)


O meu interesse no passado familiar foi despertado quando ainda na minha pré-adolescência, num dia chuvoso entrei num quarto de guardados da casa em que morava em Icaraí, Niterói, e deparei com as portas escancaradas, o móvel onde ficavam guardados roupas antigas, uns chapéus de senhoras, e até grossas velas de distantes velórios. Próximo de umas roupas puxadas para fora deste móvel, vi também no chão, diversas fotografias velhíssimas, ao lado de uma poça de água, ocasionada a partir da chuva que entrara por uma janela deixada sempre aberta deste tosco comodo, que embora feito de alvenaria, por ter o chão de cimento vermelhão, era apelidado de "barracão". 

Recolhi-as de imediato, deslumbrado com a cor de sépia desbotada, e com os suportes de papelão encorpados, adornados com os filetes e dizeres dourados tão característicos das fotografias e do primor dos gráficos do século XIX.

Arrumadas em cima da mesa da sala de jantar, fiz uma exposição e perguntei a minha avó quem era quem, quando ela foi dizendo um por um, uma outra sua irmã, que tinha também umas fotografias guardadas consigo, as juntou ao quebra cabeça. Pelas imagens aprendi a partir daquela tarde, a reconhecer os ancestrais e assim naturalmente quis saber mais quem era quem, e comecei a entender dos ramos familiares de minha avó materna; as fotografias que estavam no "barracão" eram do seu lado Furquim Werneck. 

As fotos de sua irmã, minha tia-avó Esther Barbosa Werneck de Almeida, eram do lado Alves Barbosa, uma gente nossa muito lembrada; "fundaram Vassouras". Eu que tinha crescido ouvindo os nomes, agora os conhecia pelas fotos; "vovô Saturnino, que morreu com 28 anos"; "tio Manoel Alves Horta, marido de Tia Leopoldina"; o "barão de Santa Fé e o Zeca Tavares Bastos"; a "baronesa de Santa Fé" e por ai adiante... Ao ouvir esses nomes e ver suas imagens, tendo minha avó ali ao lado como fonte de informações, foi um adentrar privilegiado nas penumbras do nosso passado e verdadeiras dimensões da nossa intimidade familiar.

Comecei a partir de então, a saber e reter, o que não estava visto nem em fotos, nem livros, nem documentos, mas sim o que ouvia relatado com riqueza de detalhes, verdades e emoções. E eu sempre queria saber mais, ao ponto de cansar ainda mais, a já cansada da minha avó; A senhora conheceu? Como era? Que fazia? Onde morava? Era assim ou era assado??? Que cor tinha? Qual era nome? Quem era vizinho? Era rico ou pobre? As vezes, constato hoje, eram tão irritantes minhas curiosidades e indagações, que muito justamente, eu era tocado de perto: "sai estafermo, vai bugiar, não me amola, me deixa em paz". Mas foi assim que consegui saber lembranças bem reais do passado de toda nossa gente, com seus casos, brigas, antipatias, amizades, casas com seus interiores e até vizinhos, que se um dia eu me dispusesse a colocar tudo num papel, seria uma cronica interminável que só não sei quem leria, ou acreditaria não ser romance ou invenção. Mas sei o valor pessoal desse contato que tive em minha vida, pois quando escrevi  o livro "O Casal Furquim Werneck e sua descendência  em 1986, fui buscar, com o impacto de quem se reconhece em algo real e profundo, uma das epígrafes com o mestre Pedro Nava: " O menino que está escutando e vai prolongar por mais cinquenta, mais sessenta anos a lembrança do que lhe chega, não como coisa morta, mais viva qual flor toda olorosa e colorida, límpida e nítida e flagrante como fato presente". 

Quatro ou cinco anos depois desse encontro com minha ancestralidade, através de fotografias e lembranças intimas, com minha avó já morta, eu já trabalhando fui, nas minhas primeiras férias para Vassouras, cidade que já tinha percorrido em criança em sua companhia. E andarilhando de lá para cá, acabei conhecendo personagens da sua parentela, das quais eu tinha já ouvido contar casos completos e sabia serem suas conhecidas. Uma destas foi Maria Luísa Fernandes da Silva, que morava na praça atras da igreja, caminho para o Cemitério da Conceição.

Eu vinha sempre do cemitério, dos bons papos com o Walter (coveiro e) sacristão, (meu amigo até hoje!!!) e ao olhar da rua interessado, as janelas abertas de seu casarão, tinha vontade de ver de perto os antigos retratos pendurados em molduras douradas, no salão de visitas da família do Dr. Antonico Fernandes. Hoje, passados tantos anos, percebo bem a senda que percorria hesitante; que para um genealogista, os retratos familiares, em pinturas ou fotos, são as ilustrações (verdadeiras almas aparentes) dos personagens de seus textos e estudos, tal qual são para os escritores, poetas, e romancistas, as obras artísticas produzidas para enfeite de suas edições bem elaboradas.


Casa do Dr. Antonico Fernandes - Vassouras
Aproximei-me debaixo da janela onde estava a senhora, que o Walter já tinha me dito quem era, e depois de saúda-la, perguntei se me permitiria visitar as suas salas e ver os quadros. Ela de maneira muito educada respondeu que; "em Vassouras não costumamos receber estranhos em nossas casas.....", ao que eu retruquei; "mas eu não sou tão estranho, meus parentes foram daqui". Ela rebateu: "Quem são?". Disse-lhe: "sou bisneto do Caetano Furquim Werneck...". Ela perguntou novamente: "filho de quem?". Eu respondi, já sabendo que a porta ia se abrir: "neto da Dora". Ela disse, depois de perguntar meu nome, "vocês são meus primos, sua avó foi colega de turma no Sion de minha irmã Dadá, e sua tia Esther foi da minha turma... agora é hora do almoço, mas venha as quatro horas que estarei lhe esperando!!!".

Na hora marcada em ponto, estava eu na sua porta, para ser recebido por uma senhora baixinha, toda preparada; óculos, echarpe verde ao pescoço, adornada de anéis e pulseiras, perfumada e levemente pintada com pó de arroz, rouge e batom. Empunhava uma antiga bengala negra de castão, e com um dos sorrisos mais acolhedores e simpáticos que tenho recebido nesta vida, passou logo em seguida, feito uma experiente guia de museu, a mostrar um por um os quadros, contando as histórias das pessoas, dos móveis e objetos, bem como dos personagens dos dois álbuns antigos de fotos que descansavam no salão principal de visitas, sobre uma mesa de centro de tampo ovalado de mármore. Só esta visita e as conversas que tivemos, me proporcionariam, se eu desejasse, páginas infindáveis de memórias e observações, até porque, a conversa que começou as dezesseis horas, terminou quase que a meia noite!!!

E o papo para ela, deve ter sido tão excelente como o foi para mim, e não só por ser uma quebra daquela pasmaceira da rotina vassourense de uma noite no meio da semana para uma senhora solitária. Digo isso porque pouco dias depois no hotel, chegou o convite para um almoço dominical em sua casa. E as impressões dela por mim foram boas mesmo, pois já em outro dia que passei defronte de sua residência numa manhã, ela ao ver-me, chamou-me a entrar novamente e falou: "Esta na cidade a Olga Lacerda,você deve ir lá visitá-la". Respondi: "sei que é parenta, e minha avó lhe visitou muitos anos passados, mas eu não tenho jeito para tanto...". Ela com segurança da amizade que tinha a prima, falou, pegando o telefone: "ela é parenteira, vai gostar de você..." E já ao telefone: "Berenice, a Olga por favor... sim, no banho... diga a ela que nosso primo Roberto vai ai hoje... sim... para o lanche... um abraço, falo depois". Desligou e disse objetiva, passando as senhas da casa da prima Olga Werneck de Lacerda; "chegue logo depois do almoço, que ela não tira sesta, e na hora do lanche, a casa está sempre cheia de visitas, e você não vai poder conversar tranquilo com ela... se estiver lá a Maria Romeiro Neto, não comente nada do Henrique Borges Monteiro e o Dr. Sebastião Lacerda que o assunto é tabu, eu não vou com você que tenho compromisso...".

Almocei ansioso no hotel, e fui rapidamente, naquela tarde de fevereiro a casa da parenta, mãe do famoso politico, de quem tinha ouvido falar a vida toda, e que já era falecido, bem como seu outro filho médico. Lembrava animado, de uma carta de minha avó à minha mãe, relatando a visita a mesma senhora, de uns vinte anos passados, onde minha avó e a Olga Lacerda tinham chegado a conclusão que éramos (a família de minha avó) muito mais parentes dos filhos dela,  porque haviam se reconhecidas parentes duas ou três vezes do seu marido, e duas vezes dela. Assim certo de uma acolhida fraternal e amiga, ia seguro para a residência onde ela costumava passar as férias de verão, na esquina da rua que antigamente era a Travessa Dr. Assis e Almeida, o avô de minha avó. Esse imóvel, estilo bangalô, foi construído num terreno desmembrado de uma quina dos fundos da antiga chácara dos Barões do Ribeirão, bisavô da própria Olga Lacerda.

Olga (Caminhoá Werneck) Lacerda

Quando cheguei no portãozinho de madeira pintado de um azulão vivo, e ia procurar como chamar; vi na janela a dona da casa, já bem idosa e na minha espera; "entre, entre". Não precisou nem de apresentação; me vi dentro da casa, e ela perguntando; "como somos parentes?". Lembrado das conversas com minha avó, mais do relato da carta, das genealogias e tudo que sabia e pensava, respondi que afora sermos eu e ela Werneck, eu era mais também, na realidade: "descendente dos barões de Santa Fé". Ela me olhou espantada, e para me desmontar às vãs pretensões de um parentesco e considerações diferentes, como eu na minha ilusão de mocidade imaginava ser possível merecer por descender de alguém, ouvi a sua franca resposta: "nunca ouvi falar desses!!!". 

Me senti com aquela, o mais perfeito estranho, e pouco a fazer doravante ali, pois assim, eu era só mais um Werneck como tantos outros milhares que deveriam a ter procurado as centenas, e ao filho político já falecido. Comentei então da casa da família de meu bisavô, que existiu ali defronte da casa dela, no local onde haviam construído o Senai de Vassouras. Ela sabia tudo; "sim, Furquim Werneck !!!", e me levou no seu quarto de dormir, onde me fez abrir uma gaveta mais baixa de uma comoda, para pegar um álbum de fotografias de capa dura, não muito grande, nem volumoso, marrom, tipico do inicio do seculo XX, com um cordão de seda amarrado e duas pontas com borlas de enfeites penduradas, nele estava dentre outras do mesmo padrão, uma foto pequenina, de margens picotadas, tipica dos anos 1940 dela com os filhos, todos alegres e risonhos na varanda daquela sua casa, vendo-se por cenário o casarão dos Furquim Werneck. Ela retirou a foto das cantoneiras, e a quis me oferecer, mas eu, sem jeito e por educação, mas com muita dó, recusei o espontâneo e carinhoso presente.

Mostrou-me depois, pendurada na parede da sua sala, a gravura de Vassouras por Victor Frond e disse: "Raul Fernandes que me deu de presente, comprou no Mercado das Pulgas em Paris, eu pedi, e ele escreveu atrás todos os donos das casas quem eram... pegue e olhe !!" tirei o quadro e vi admirado aquele documento iconográfico tornado tão mais valioso, que hoje tenho curiosidade de saber onde andará. Mas guardei algumas das indicações ali, que depois transcrevi para a idêntica gravura que também tenho. Não há como ao olhar esta  minha igual gravura, não me lembrar daquela tarde, daquela amável parenta que pouco tempo depois morreria no hospital de Barra do Piraí. E por extensão da figura de Raul Fernandes, também nosso parente por sangue e casamento, e amigo de meu bisavô Caetaninho, e tio da Luisa Fernandes que me proporcionou este encontro.

Foi nesse momento, que eu ainda constrangido do desconhecimento dela, ao falarmos de casas, me veio uma lembrança de uma conversa daquelas que eu havia tido com minha avó, lá em Icaraí, e que me ensejou indagar então da velha parenta: "a senhora não se lembra, de uma casa no Rio de Janeiro, na praça São Salvador, de sobrado e com porão habitável, com grades, jardins e um repuxo, que subia mais alto que o telhado, e nessa casa subia-se numa varanda tipo passadiço, de piso hidráulico amarelinho, para  dai entrar num corredor onde ficava um grande aparador de madeira com três reis magos de prata em cima? ". Os olhos dela, notáveis pelas grandes olheiras, brilharam, e com uma satisfação evidente, exclamou: "a casa de meu tio Juca, cansei de ir lá menina fazer visita, com a minha tia Carola!! O que você é dele?". O Barão de Santa Fé chamava-se José Rodrigues Alves Barbosa e tinha por apelido Juca. Era seu tio bisavô, irmão da  Baronesa do Ribeirão. Expliquei ainda meio constrangido, que ele era bisavô e padrinho de minha avó, quem o havia conhecido, o que dá sempre uma dimensão mais real nesses casos de reencontros nestas grandes parentelas. Ela ai lembrou da visita de minha avó e tias e quando começaram a chegar as visitas para o lanche que se seguiu, a cada uma que entrava, ela me apresentava; "este é meu primo Roberto, está em Vassouras de férias, veio me visitar. Eu muito pequenina, ia na casa de meu Tio Juca levada por minha tia Carola", e virava-se para mim e perguntava: "ele é o quê mesmo seu ?Era Barão de quê... ? "


Baronesa do Ribeirão
Foi assim, com essa acolhida fraterna, amiga, que recordo como entrei no passado vassourense; e pelas melhores e mais legítimas portas. Fui um felizardo.  Assim, sempre me senti capaz de dirimir qualquer dúvida e tirar a limpo qualquer questão que tocasse a minha ancestralidade. Tudo que ouvi sempre esteve assombradamente correto, para o bem ou para o mal!!!  O que eu não soube por elas, e muitas outros parentes que se seguiram, eu fui buscar nos cartórios e igrejas, ao ponto que com muita segurança, pude já neste século XXI, informar e colaborar na edição de uma obra notável, empreendida por genealogistas açorianos, de grandes prestígios nos círculos europeus destes assuntos. Os Açores é o lugar de onde partiu a maior parte das famílias pioneiras da cidade de Vassouras. Esta obra foi com certeza, a primeira fora de nossos limites territoriais (Europa), onde se deu a várias e extensas famílias brasileiras, um mesmo tratamento de igualdade e visibilidade, tal qual como eles os autores, apresentaram e trataram as próprias famílias açorianas. E tudo que lá informei está certo e correto. Passei com segurança e veracidade o que sabia e pesquisei durante mais de trinta anos, sem guardar informações ou verdades na gaveta, por orgulho ou vergonha que fosse. Tenho portanto em genealogia, a tranquilidade dos que trabalharam honesta e corretamente. Eu vivo sereno desde que li  a frase de Georges Rodenbach: "os nossos mortos morrem pela segunda vez quando nos os esquecemos" pois sinto ter tido a sorte de me ter clareado no entendimento, o significado exato do proposito disso tudo, e dessa minha vocação para esse chamado tão antigo. E vejo, sempre meio surpreso, que foi a partir desta conscientização, que não envolve nada de espiritismo ou de sobrenatural, que espantosamente começou a fluir algo de muito bom e certo em minha direção, para minhas mãos e minha vida.


No site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, algo extraordinário que o pesquisador de hoje tem a seu dispor, localizei estes dias o convite para a missa de sétimo dia que o barão de Santa Fé, o "Tio Juca" da prima Olga, o meu ancestral, mandou rezar na Corte, quando faleceu sua irmã, a Baronesa do Ribeirão, bisavó da mesma Olga Lacerda, o que comprova nada ser mais certo na história de Vassouras, do que a irmandade destes dois titulares do império. Filhos ambos que eram de Francisco Rodrigues Barbosa e Mariana Rosa de Jesus, netos paternos do açoriano florentino Francisco Rodrigues Alves, o pioneiro sesmeiro de Vassouras e de sua mulher a carioca Antônia de Sá Barbosa, e maternos de Henrique de Mendonça Furtado e Rosa Maria do Bonsucesso. 

Andei relembrando tudo isso, porque hoje na genealogia brasileira, existem três mulas híbridas e empacadas, jumentas periféricas e curiosas das famílias antigas vassourenses: os senhoritas (?) A.A.F, S.F. e J.R.V., que teimam de apresentar uma filiação equivocada para a Baronesa do Ribeirão. Eu já em 1991, trouxe a luz, juntamente a Dra. Vilma Novaes, um folheto intitulado, "Algumas Notas Para Acréscimos e Correção à Genealogia das Famílias Rodrigues Alves Barbosa e Avellar e Almeida, de Vassouras (Em Especial a Filiação da Baronesa do Ribeirão)  em que mostrava o engano de um lapso na sua filiação, mas isso incomodou sobremaneira esta velha mula racista paulista, que mantem um site de sua nobreza (sic) na internet e ficou incomodada com as citações do sangue cristão-novo da avó paterna da Baronesa do Ribeirão. Esta mula irriquieta, da raça hanibala, tipo missivista contumaz, cansatória e laudatória, colabora com o outra segunda jumenta, num site do abecedário inteiro de erros e asneiras repetidas, onde ela hanibala, também usa e abusa de suas tranças, intrigas e auto elogios. Posto que se fosse uma senhora digna, honrada e séria, essa jumenta imbecil que vive a perder tempo em se marcar a ferro e fogo no lombo velho, com uma girandola de brasões que não lhe pertencem, se tivesse ligações reconhecidas com estas antigas famílias vassourenses, não seria justo ela quem estrumaria com tanto ardor, as erradas informações que produz.  (Continuam... )