sábado, 27 de dezembro de 2014

Genealogia, Empadas, Natal e Algumas Lembranças...



Um longo hiato. Não é que a genealogia para mim, nada mais sirva, afinal foi o meu interesse por ela, que proporcionou um tanto de boas coisas em minha vida, e numa dimensão tal, que só eu que sei!!! Mas nessa quadra da minha existência, com a experiência de vida que tenho, nesse mundo tão modernoso e bagunçado, já não vejo muita praticidade.

Nem sei mais direito como tudo começou, achava que era por causa de velhas fotos que achei um dia chuvoso, jogadas no chão de um quarto de guardados. Hoje, no entanto, distraído com outros afazeres, culinários, ocupado com uma massa de empadão que não deu muito certo, me vieram as lembranças de umas empadas que comi na infância, e percebi como o interesse dito genealógico, já estava permeando tudo, a muito mais tempo, de forma quase invisível na minha vida.

A genealogia é uma teia que liga não só parentes, mas o mundo, o nosso mundo, a outras histórias e outras vidas.

Havia uma senhora, amiga antiga da família, de minha mãe, de minha avó, e tias, dessas que se cumprimentam com alegria e intimidade nas ruas. Ela passava por frente de nossa casa sempre, para as compras, e um dia em que apressada, explicou, não podia conversar, tinha ido comprar camarões para fazer umas empadinhas para alguém. Eu sempre (infelizmente) metido a engraçado e debochado, na mesma hora disse que gostava muito de empadas. Essa doçura de senhora que chamava-se Nerina Cianconni da Silva, com os olhos muito claros e sorridentes, achou graça da franqueza e desejo do pré-adolescente, e prometeu fazer umas para mim também.

Dito e feito, dias depois ela me chamou na porta de casa, e entregou-me um prato de papelão de bolo de padaria, coberto com um pano de prato muito limpo, com uma dúzia de grandes e deliciosas empadas, ainda nas forminhas de metal, que pediu para depois eu devolver.

Eu conhecia o apartamento térreo em que ela morava, na antiga Avenida Estácio de Sá. Passava sempre ali, vindo do colégio. Quando fui devolver as formas, mandou que eu entrasse, para que a mãe dela, já bem velhinha, pudesse ver como eu estava crescido, já que tendo morado no apartamento (também) térreo do Edifício Grijó, da rua Nóbrega, em Icaraí, onde eu havia nascido, me conhecia desde sempre.

O autor numa das arvores de D. Eponina, e seu irmão mais velho.
A mãe de Nerina, era a dona Eponina Monteiro de Barros Couto, Cianconni pelo casamento. Me lembro dessa senhora, nas manhãs da minha mais distante infância,​ com uma caixinha redonda de Catupiry, junto a si, indo espalhar nos pés das arvores da calçada defronte do nosso prédio, miolo de pão, enrolado em bolinhas, para os passarinhos. Às vezes eu ia atrás dela, que repartia as bolinhas para que eu também participasse daquele ritual. Muito boa velhinha, um dia ficou toda feliz por que eu a chamei de “santinha dos passarinhos”.

Dona Eponina se vestia, naqueles idos de 1960, com uma roupa caseira que ia quase até o chão. Não me lembro de a ter visto com um vestido com a bainha no meio da perna, ou que lhe aparecessem os braços nus ou os pés com facilidade. Portanto quando vejo uma foto de uma senhora do início do século XX, nunca me permito estranhar, que no meu inconsciente esteja ela vestida na moda da Dona Eponina. E assim eu pela vida afora, tenho vestido todas as mulheres distintas daquelas épocas, que não vi pessoalmente ou vi a imagem, e que quero imaginar como eram.

Eu bem criança, antes dos seis anos de idade, entrava na casa de sua outra filha, a Dra. Miriam, com quem ela então morava, na época do Natal, para ver o presépio que ali era montado. Num caminho de areia, que serpenteava por todo o presépio, e rodeava um lago de espelho, e por meio de centenas de carneiros e seus pastores, os Reis Magos ficavam distantes até que se aproximavam da manjedoura no dia dos Reis. Aquilo para mim era eletrizante!!! Boas lembranças!!!

Minha avó Dora tratava a​ Dona Eponima como potência de mesma base. Era uma sinalização rara. Anos depois, quando bem enfronhado na genealogia, foi que eu  meio que intui o porque; aquela consideração, aquele respeito, aquela etiqueta, já vinham de gerações passadas. Entre elas, falavam uns nomes, que minha memória se acostumou a ouvir com alguma familiaridade. Não, não eram parentas nossas, mas elas tinham gente amiga e parentas em comum desde sempre. Saía um nome engraçado que me lembro bem; da Frederica, tanto que depois, o coloquei numa galinha vermelha, que ganhou um concurso de Miss promovido no  nosso galinheiro por um amigo frequentador do quintal da casa em morávamos em Icaraí.. .

Mas saía também o nome da mãe ou avó da tal fulana Frederica, a Baronesa Monteiro de Barros, amiga de meu bisavô Caetaninho, lá em Vassouras, no inicio do século XX. Amizade da mocidade deles, o que remontaria então, aos meados da segunda metade do século XIX, e ela havia sido amiga muito gentil em sua doença no final, no ano de 1909. Se ninguém agradeceu bem aquilo naquela época, eu hoje digo à memória dela: Obrigado!!! Já o brigadeiro Inácio Gabriel Monteiro de Barros, parente de Dona Eponina e da Baronesa, havia mais remotamente, durante a Revolução Liberal de 1842, cruzado e entregue o comando da 13ª Legião da Guarda Nacional, para o nosso ancestral, o Barão do Paty do Alferes. Era tudo, e todo um Brasil Imperial lembrado, umas fumarolas do passado da gloriosa e próspera província fluminense cafeeira que esvoaçavam naquelas conversas rápidas de Icaraí.

Dona Eponina tinha casa de veraneio em Paty do Alferes, onde já adulto, eu também andei , pois é a velha vila dos meus ancestrais, e numa visita que ali fiz a Dona Dulce Bernardes, espécie de sentinela moral, religiosa e social do arraial, era a zeladora mor da igreja e do cemitério, comentei que havia conhecido, e sido vizinho desde que nasci, da Dona Eponina e de suas filhas Myrian e Nerina. Ela arregalou os olhos e exclamou, num misto de assombro e veneração: o Dr. Cianconni era parente do Papa, e dona Eponima, (que era uma velhinha frágil), tocava piano admiravelmente bem, com o vigor de um homem.

Pois, nesse dia da devolução das forminhas das empadas, entrei por uma porta lateral do apartamento de Nerina, uma espécie de escritório, e vi pendurado na parede um quadro que me pareceu enorme, impactante, era o retrato do pai de Dona Eponina, Eduardo Leite de Abreu Couto, pintado em Londres quando lá estudou em menino. Fiquei encantado com a pintura. Lembro-me bem desse quadro até hoje. Posso quase que o descrever. Lembro as cores, o claro e o escuro, a textura do verniz, a elegância do retratado, a beleza e largura da moldura, e bem sei, o quanto aquilo representava de todas aquelas velhas famílias que elas pertenciam, Monteiro de Barros, Leite Couto, Breves etc etc.

Dona Eponina já morta, muitos anos depois, eu lembrei que a Nerina havia se queixado que existia um livro da família delas, o da Família Monteiro de Barros, de Frederico de Barros Brotero, que ela havia perdido ou mal emprestado. Foi assim, que eu já adulto, recordei do caso das empadinhas, do gesto tão carinhoso da Nerina e tendo uma duplicata da obra, peguei-a ​e fui , numa manhã de férias, lá tocar no novo endereço em que morava Nerina e o marido, e para sua surpresa, ofereci-lhe o volume, que é obra escassa e muito estimada em genealogia. Seus olhos avermelharam e lacrimejaram ao lhe lembrar o passado e mãe e o gesto. Foi rápido, fui sem avisar, era quase hora do almoço, chamou para almoçar, não aceitei.

Mas na sala eu novamente vi nessa ocasião, o quadro do avô Eduardo Leite de Abreu Couto, já sem a moldura original, e, para meu espanto, a pintura pareceu infinitamente menor e menos imponente do que aquela que eu tinha visto em criança, e que sempre admirava quando passava pelas janelas de sua casa, indo e vindo para o meu colégio, o Instituto Abel.

Hoje estou com a certeza que, minha sensação com a genealogia, embora ela tudo perpasse, está igual a tal impressão que tive ao rever o quadro aquela última vez.





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