sexta-feira, 9 de março de 2012

Genealogia acabada ou dado genealógico??

Tenho para mim como certo, é prestei sempre muita atenção nisso, (já que prestar atenção em tudo é a melhor distração) que a informação genealógica está em toda e qualquer parte. Assim, sei que onde houver uma informação dos nomes de um casal, ou um genitor ou genitora acompanhado de um filho que seja, como se apresentam os dados de uma carteira de identidade, ou uma indicação qualquer que outros dois são irmãos, ou primos, aí estará a informação genealógica a ser considerada para a confecção de uma genealogia. 

Tudo que forma uma célula familiar por mais reduzida e incompleta que seja; sempre acaba sendo um dado a ser preservado ou aproveitado. Mas há que se fazer perfeita distinção entre o dado genealógico e a genealogia pronta. Algo na mesma proporção dos ingredientes e um bolo pronto. O produto finalíssimo da recolha, ordenação, transformação e exposição de dados (o que muitas vezes demora décadas de pesquisas) geralmente é o manuscrito transformado no livro genealógico.

Como um manuscrito não é um livro impresso, obviamente que numa coleção que se proponha bibliográfica ficam fora os manuscritos originais e outros suportes onde se apresentem textos finais de pesquisas genealógicas. A coleção dos livros que venho apresentando contém em separado também alguns manuscritos originais não impressos e em cópias não editadas, também alguns cartões-postais e medalhas. O genealogista Victorino Chermont de Miranda foi o primeiro a chamar atenção, e com muita propriedade discorrer sobre a existência de itens da cartofilia como suporte para apresentação  genealógica. Assim integram parte separada da coleção algumas medalhas com dados genealógicos e uma inteiramente genealógica por ter nela cunhada uma árvore com nomes e datas. Mas isso tudo está fora da bibliografia. No meu entender são somente fontes e curiosidades. 

É importante o genealogista nunca desprezar ou deixar de perceber as fontes que tem acesso. Porque os dados que necessita podem surgir não só de uma conversa pessoal, como também das informações passíveis de extração dos livros paroquiais e cartorários. É bom lembrar que existem também as inscrições de lápides de sepulturas, das noticias de jornais, de textos de correspondências, e também de retratos fotográficos  ou artísticos. Fazer a ordenação destes dados que recolhe e anota, usando uma metodologia apropriada, é para o genealogista uma empreitada (e um prazer) igual a de quem monta um grande quebra-cabeça.

Assim também existem livros, históricos, biográficos e geográficos, publicados no Brasil desde o século XIX, com dados genealógicos, mas que não são necessariamente livros de genealogia. Seriam fontes ou genealogias finalizadas ? 

 Um destes livros que tem este enfoque misto de história e genealogia foi publicado em 1868 por Fernando José Martins, que assinou com as iniciais F. J. M. É obra pioneira, mas que não indica ser um estudo genealógico nem no título: "Historia do Descobrimento e Povoação da Cidade de S. João da Barra e dos Campos dos Goytacazes: Antiga Capitania da Parahyba do Sul: E da Causa e Origem do Levante Denominado - Dos Fidalgos - Acontecido no Meado do Seculo Passado: Dividido em Tres Partes". Foi publicada no Rio de Janeiro, na Typographia de Quirino & Irmão. 

A parte genealógica  desta obra é apresentada em texto quase discursivo, sem grande metodologia. O autor aparentemente não teria maior percepção do que poderia ser um estudo genealógico de qualidade, já que no texto ainda que discorra sobre sua própria família não apresenta quase nenhuma data, cita pouco locais e dados biográficos e nem mesmo a si próprio inclui dentro da obra, o que é uma pena, pois o conjunto de famílias que apresenta tem relevância na história da região e sabe-se pela sonoridade de alguns apelidos familiares ali descritos, que alguns descendentes dos citados, foram depois personalidades de destaque na vida pública brasileira. 

No entanto ele tem o mérito de ter sido o primeiro que ilustrou um estudo genealógico (por mais deficiente ou pouco completo que seja) com a imagem ou retrato de um vulto ancestral. Numa época de limitados recursos gráficos este fato é digno de se notar, ainda mais que depois desta ilustração, demorou ainda décadas para que outro livro genealógico aparecesse ilustrado com algum retrato familiar.

A edição de histórias de cidades com a inclusão dos dados genealógicos, rol de famílias, de descendentes de fundadores, etc, etc, continua até os tempos presentes algo comum nesse tipo de publicação de monografias de histórias municipais de lugares por todo o Brasil, mas (com raras exceções) são sempre umas publicações canhestras, com os dados  e informações genealógicas mal ajambradas e muito pouco elaborados.  Verdadeiras saladas russas com um pouco de tudo, mas quase nada que se aproveite. Os autores geralmente escrevem, o que é de lastimar, como se fossem os leitores de suas obras, somente os seus vizinhos (e seus vizinhos conteporaneos!!), sem nenhuma percepção de posteridade ou distância.

O exemplar da coleção não está em bom estado, tem furos de bicho, sem afetar o texto. Não me lembro do momento exato que veio para as minhas mãos, mas como na última página tem marcado o preço que paguei, pela caligrafia acho que devo te-lo adquirido de uma velhaca bigoduda, ai pelos idos da década de 1990.  

O bibliógrafo Raymundo Sacramento Blake informa no seu Dicionário que o autor quando morreu estava trabalhando na segunda edição desta sua obra de 1868. Fica então para ele o benefício da duvida. Talvez a segunda edição pudesse ser bem melhor e mais detalhada na parte genealógica.




terça-feira, 6 de março de 2012

Uma teoria de seis graus de separação entre genealogistas...


No ano de 1986 eu recebi, por ter publicado um trabalho de genealogia, uma telefonema (e convite para visitá-lo e conhecer pessoalmente) do maior genealogista brasileiro do século XX, Carlos Rheingantz. Ele não era só o maior por causa do que tinha publicado, do que pesquisou, e do arquivo do Colégio Brasileiro de Genealogia que havia montado, e estava em seu poder, mas por causa do que admiravelmente tinha guardado no cofre de sua memória. 

Nascido em abastada família brasileira, Rheingantz teve por toda vida, relações familiares, sociais, de amizade e até de vizinhanças com mais de meio mundo do Rio de Janeiro, que era então a capital do país, e como aqui aportavam pessoas de todos os lados do Brasil seus conhecimentos se alastravam sobre todos os estados do território nacional. Então quando eu o conheci,  ele já contava mais de sessenta anos de idade e pode-se calcular mais de mil anos de muitas conversas e pesquisas, o que  lhe tornava um perigo e prodígio incalculável de informações e conhecimentos. Uma pena que não tenha deixado escrito algo de suas memórias e observações pessoais de tudo que soube, pois mesmo que muito do que sabia pudesse ser considerada nitroglicerina pura, teríamos subsídios curiosíssimos, mas reais e inteiramente diferentes da sociedade brasileira dos séculos XVIII, XIX e maior parte do XX. O negócio com ele era tanto, e ele tão impossível de ser contido no afã de desvendar as genealogias, que determinada ocasião um empresário de renome social e financeiro carioca, foi queixar-se  indignado ao Cardeal do Rio de Janeiro, que Carlos Rheingantz estava a futucar e futricar com as raízes (negras) de sua avó, e as pesquisas nos livros eclesiásticos quase estiveram proibidas a ele por um bom tempo no Rio de Janeiro... 

Só um exemplo dos detalhes de como sabia de tudo, muito com excelentes pitadas de verdades maledicentes: lembro bem por ter achado bastante graça na ocasião, quando eu com ele ao lado, fui consultar  no arquivo a ficha de uns ancestrais de uma velha e querida parenta, e ele ao olhar a ficha seca e impessoal com datas e nomes de integrante desta gente quase desconhecida dos meados do século XIX, disparou de pronto: estas eram umas senhoras de cabelos muito compridos, que moravam na rua....., e mudavam a maneira de pentear e prender os cabelos, para assim enviarem mensagens cifradas para os amantes...A cabeleira delas funcionava igual o mastro do Morro do Castelo, que enviava sinais semafóricos do movimento dos navios na baia da Guanabara e no porto do Rio de Janeiro, por meio das bandeirolas coloridas para toda a cidade....

Carlos Rheingantz com a honra do convite para conhecê-lo, me permitiu depois de sua morte, ao lembrar-lhe o vulto e as conversas, o que ele me proporcionou do que, eu quando matuto nesses assuntos de genealogias, gerações, pessoas, fatos, famílias e personalidades, chamo de remessa.  Remessa para mim é a maneira de perceber e contabilizar, tal qual a teoria dos seis graus de separação, o quanto o um conhecimento num contato pessoal direto, de alguém na minha família ou não, (ou no circulo dos genealogistas) pode me remeter a outras pessoas que existiram e atuaram em  distante passado.  Dessa maneira consegui remessas familiares com tres graus de separação até  ancestrais que nasceram na segunda metade do século XVIII., e passei a ter para mim, a convicção que dai vem não só uma boa energia, como uma legitimidade de uma herança humana muito pessoal e diferenciada, algo que não se adquire se não for com muita vivência e os contatos e os relatos que dai vem, são muito especiais e com chance de serem mais próximos da realidade.
 
Foi assim, que por Carlos Rheingantz, contabilizei uma remessa que gosto de pensar e cultivar, uma lembrança de notáveis genealogistas paulistas e importantes na genealogia brasileira.  Rheingantz havia conhecido pessoalmente o genealogista Frederico de Barros Brotero, falava dele com intimidade, distinção e naturalidade. Brotero por sua vez tinha convivido e se relacionado com o também grande genealogista Luis Gonzaga da Silva Leme.   Rheingantz é então, a minha ponte, com certeza absoluta, com somente mais dois graus, de minha remessa até o vulto de Silva Leme. E de Silva Leme eu sigo, apesar de  não saber com certeza de quem mais adiante de si conheceu e se relacionou, a imaginar ser bem provável, já que era ele nascido em 1852, que estivesse também, por ter conhecido toda a paulistada de antanho, ele próprio a muito poucos graus de separação de Pedro Taques, o genealogista colonial da capitania de São Paulo, falecido em 1777. 

Falamos de Rheingantz, de Silva Leme e assim quase chegamos a Pedro Taques de Almeida Paes Leme. No desdobrar de meu convívio com Rheingantz, depois  de muitas de minhas visitas e intermináveis conversas, ele achou em determinado momento, vendo já o meu interesse em livros genealógicos, que eu era merecedor de ganhar de presente uns seus documentos e pesquisas, e alguns dos livros que compunham sua pequena biblioteca particular, na simpática e acolhedora casa onde morava na Rua Alberto Torres, em Petrópolis. 

Um dos livros que dele ganhei, com algumas anotações e marcações suas, mais a recomendação na hora que me entregou, de que; "Este é precioso!", foi  o "Genealogia das Famílias Botelho, Arruda, Sampaio, Horta, Paes Leme, Gama e Villas-Boas, Até seus Actuaes Descendentes Conforme o "Nobiliario" do Conde D. Pedro, a "Nobiliarquia Portugueza" do desembargador Villas-Boas, as "Memórias de El-Rei D. João I" por José Soares da Silva, as "dos Grandes de Portugal" por D. Antonio Cordeiro de Souza ( Sic) , a "Historia Insulana" por Antonio Cordeiro, as "Memorias de Fr. Gaspar da Madre de Deos " as " de Pedro Taques de Almeida Paes Leme" e Diversos Outros Documentos Antigos, e Posteriores Noticias Subministradas por Alguns dos Actuaes Descendentes dessas Famílias ",  editado no Rio de Janeiro, pela Typographia Universal de Laemmert em 1860.  O autor que se escondeu por detrás de cinco estrelinhas, o sinal como assina  a advertência explicativa da impressão de "alguns exemplares deste nosso tosco trabalho", foi o Visconde de Nogueira Gama. 

Nicolau Antonio Nogueira Vale da Gama, o Visconde de Nogueira da Gama, nascido em 1802 e falecido em 1897, era integrante do circulo palaciano e tão próximo e de confiança do poder, que era quem guardava a coroa do imperador Dom Pedro II no dia da República. Assim creio que o interesse e o exemplo de publicar uma genealogia centrada numa só família, já que ele discorre em seu texto, sobre os troncos de seus avós maternos e paternos,  foi algo moldado na sua vivência e observação de corte. 

Ele deixou escrito além deste livro pioneiro de genealogia, as suas interessantes memórias que foram republicadas com anotações de seu descendente o Magnífico Reitor Pedro Calmom. Neste livro de genealogia, para qual usou também os dados e pesquisas do citado Pedro Taques, ele registra uma poderosa rede familiar de pessoas integrantes como ele, da nobreza brasileira do primeiro e segundo reinado, tais como a Marquesa de Santos, o Marques de Baependy, o Visconde Barbacena, a Baronesa de Santana Lopes, o também genealogista, o Conde de Iguaçu, o Visconde de Gameiro, a Viscondessa de Bonfim, os Marquezes de Jacarepaguá, e vários outros que foram agraciados com títulos nobiliárquicos depois da edição do livro, bem como diversos senadores, políticos, fazendeiros, financistas,  e outros integrantes da nobreza de acesso, como moços fidalgos e também personalidades distintas do século XIX e XX. 

É de notar-se que este livro embora pioneiro, ainda é um registro a ser olhado mesmo de fora do viez com que foi feito, e continua obra de validade inconteste até hoje depois de tanto tempo de editada,  pois é pássivel de ser analisada fora do aspecto da simplicidade de uma genealogia de parcela da  nobiliarquia brasileira: já que em suas páginas encontram-se com facilidade personalidades que se tornaram cabeças de linhas de outras famílias com atuação histórica e cujos integrantes continuam a desempenharem relevantes papeis em diferentes áreas sociais, culturais e financeiras no país até os nossos dias.

No entanto vale observar também, que para a coleta de suas notas familiares, o autor, que é sempre sucinto e impessoal nas narrativas biográficas,  na página 25, em nota de rodapé, agradece e anota que usou a memória admirável da irmã de sua mãe, a sua respeitável tia Dona Lourença Maria de Abreu e Mello. Esta Dona Lourença é ancestral direta do médico e reconhecido memorialista juiz-forano Pedro Nava, que diferente do autor, a descreve em aspectos familiares e curiosos  muito interessantes, em texto de recomendável e agradável leitura.  Esses aspectos registrados pelo Dr. Nava, eram os do tipo que tanta alegria dava ao Carlos Rheingantz, mas que já nesta obra inicial da genealogia brasileira, foram escamoteados do texto. 

Encerro adiante, recordando que estes aspectos no entanto, pululavam nos livros de linhagens medievais, onde apareciam com naturalidade as barregãs, e os cornos bravos e infelizes, por vezes a queimarem castelos com as suas infiéis mulheres dentro.  Infelizmente a polidez hipócrita dos costumes educados dos séculos seguintes, de que tantos ainda somos herdeiros, foram os inibidores de  que o Visconde de Nogueira da Gama iniciasse com realidade mais próximas das humanas as publicações genealógicas brasileiras. 

 O próprio Dr. Pedro Nava, o trineto da Dona Lourença, em tempos mais liberais e verdadeiros, registrou com bom humor em suas memórias como pensavam os enfatuados nobres e genealogistas daqueles tempos e dos que se seguiram aos medievais: "os pombos, os primos e os padres são os que sujam as casas"... Assim pensando, na certa para deixar limpa a publicação da parentela de suas casas avoengas, é que ao tratar dos filhos do Marques de Baependi, os seus primos, o Conde de Baependi e o Visconde Juparanãos apresentou em sua obra, devidamente comportados, podados da grande descendência que tinham com as escravas de suas fazendas na região do vale do rio Paraíba do Sul, bem como também  omitiu, nas origens de seus outros primos, os Condes de Iguaçu, que a infeliz consorte era uma filha bastarda (mas reconhecida) do imperador Dom Pedro I com a Marquesa de Santos. Assim foi e tem sido o modelo e a fatura de tudo que se seguiu publicando, com raras exceções, os genealogistas brasileiros....

sábado, 3 de março de 2012

Mania de genealogia.

Mania é uma doença, um estado psíquico patológico, quem tem mania é o maníaco, ou o indivíduo que segundo o dicionário, é acometido de um estado de loucura, com tendência para a fúria.

Chega ser por vezes mais que prova de ignorância no manejo das palavras, uma ofensa grave, como aos genealogistas o populacho, sem a menor cerimônia ou cuidado com as escolhas de palavras, chama ao saber do interesse de alguém no assunto, classificando logo sem a menor cerimônia ou educação; ele tem mania de genealogia, ou você que tem mania de genealogia, ou também o que muito ouvi; você guarda isso, já que tem mania de família...

Esse taxar os outros como maníacos, de certa maneira também é um apodo pertinente a qualquer pessoa que se erga da vala comum das frustrantes  rotinas do dia a dia, e se dedique com ainda que mínima inteligência, um pouco de sabedoria ou algum afinco a qualquer outro interesse que não seja ganhar dinheiro, ou aos passatempos corriqueiros do jogo, ou aos vícios de beber, ou acompanhar com sofreguidão o futebol ou outros esportes. Ninguém tem mania de futebol!!! Se bem que usam a expressão fanático!!! Mas basta que o mester envolva prazer com cultura, conhecimento e colecionismo, que a palavra mania  logo aparece. Mas pela minha experiência de vida, já logrei perceber que  esta palavra no geral quando é aplicada, é um recurso de auto defesa, posto que o boçal aculturado quando se depara com alguém que detém um conhecimento ou saber específico sobre algo que ele não domina, então é comum de imediato ele acionar o mecanismo de proteção primária, e tratar logo de classificar o conhecimento do outro que ele ignora ou (muitas vezes) inveja, como mania.

Mas é bom ressaltar também, que existem entre os colecionadores do que quer que seja, bem como entre os genealogistas, pessoas especialíssimas, e que não conseguem manter um saber ou um gosto com suficiente equilíbrio sobre as linhas de uma normalidade sadia e conseguem aporrinhar qualquer um com um falatório genealógico grandiloquente, geralmente auto laudatório. Tanto que, isso em genealogia parece coisa velha, e tamanho é o desvario com que alguns manejam este gostar,  que já nas epístolas, o apóstolo São Paulo recomendava ao jovem Timóteo, que ele não se desse a genealogias intermináveis, que mais produzem questões do que edificação.... Opa! Se a minha tia Carmem (a do post anterior) não fosse espírita, eu teria como certo que ela era discípula devota e fervorosa de São Paulo, pois é ele próprio, que em outra epistola, agora para Tito, recomenda que: não entres em questões loucas, genealogias e contendas e nos debates acerca da lei, porque são coisas inúteis e vãs...Realmente São Paulo e tia Carmem pensavam quase parecidos, numa primeira impressão, mas é evidente, dizem os exegetas, que o que São Paulo fazia menção fazia nestas passagens,  era parte de um outro contexto e pertencia a um aspecto inteiramente diferente, pois Paulo justo queria era evitar este desequilíbrio que fez ao longo de muitos excessos, a genealogia virar na opinião  dos leigos e dos ignorantes nada além de uma simples e prosaica mania.

São Paulo como sábio judeu, era conhecedor das leis e das escrituras, ele entendia perfeitamente a origem da vocação para o registro das genealogias: nas escrituras o ser genealogista não era uma opção pessoal do ser humano, mas sim um chamamento especial do próprio Criador, que colocava  Ele mesmo, este desejo "no coração"  da criatura que escolhia para desempenhar esta missão. Mas o pior nisso para todos nós os genealogistas, entre os quais eu mesmo estou incluso, é que para que estes escolhidos não tivessem soberba alguma, o texto bíblico a que me refiro ressalta que esta escolha do Criador era feita entre os homens mais desprezíveis e os que para nada serviam.... Assim São Paulo sabia também do valor da genealogia pela visão da fé, e ele não a podia condenar, ainda mais que o próprio Nazareno, que foi introduzido e apresentado  nos evangelhos por duas linhas genealógicas diferentes, veio, segundo os mesmos evangelhos, divulgar  uma nova ordem lá de cima, o de amar o irmão mais que a si mesmo. Mas quem seria este irmão? Sem a ajuda da genealogia, não se poderia nunca  saber quem, nem cumprir esta ordem divina. Entendo então, por este ângulo, a validade e utilidade da genealogia, já  que  como a família existe até a lembrança do antepassado comum mais remoto,  a humanidade somente por meio da genealogia é que fica arrolada e reunida  numa única família, a dos descendentes do casal pioneiro de humanos (ou dos  macacos como querem uns).

Mas deve ser então, por causa dessa escolha do Criador, na pessoa dos que nada valem, é que entre nós, os genealogistas surgem os tipos, digamos, mais diferenciados. Há que se ter paciência!!! Posso falar disso como genealogista que sou, e por bem me conhecer e conhecer centenas de genealogistas de todo tipo, desde a minha primeira mocidade. Não sou, nem quero ser, como dizia minha avó, palmatória do mundo; mas, cada um que se ache genealogista que também seja sincero de examinar-se e saber o motivo que o despertou para a matéria. E o quanto que tem ajudado a genealogia ser vista pelos leigos como mania.

Partamos então das páginas bíblicas para os divãs dos analistas e consultórios de psiquiatras, para assim refletirmos em verdade, o quanto de nós não chegou à genealogia para   fugir de  alguma realidade conflitante?  Ou então para dar vazão e vivência aos orgulhos infundados, ou exercitar a vã soberba,  ou sair na busca de validações de nossos defeitos ou falhas de caráter, maior parte das vezes, quando esquecidos de nós, vamos nos consolar de nós mesmos no pinçar e esgravatar noutras vidas e personalidades de nosso próprio sangue, os defeitos que nos são tão presentes.
Outros há que vão buscar conserto e aconchegos que lhes  consolem da inadequação e rejeição do próprio meio familiar, buscando  com elaborada construção mental, espiritual, sentimental, uma família perfeita de sombras, nomes e memórias. Ou daqueles eternos periféricos, que buscam o nem sempre possível reconhecimento e acolhimento social, pessoal, familiar e financeiro dos familiares bem bafejados da sorte. Prova inconsciente disso é que todo presidente da república no Brasil, quando eleito lá tem a parentela no jornal, e depois os livros com a família. Na Europa vale até para o Papa eleito. Mas hoje isso popularizou tanto, parentesco de famoso é um gancho de publicidade e projeção social  até para os parentes de artistas de novelas bem como qualquer outra personalidade  que tenha os seus quinze minutos de fama.

Para finalizar estes pensamentos que muito se estenderam, sei que cada um sabe de si. Eu sei de mim, e cada vez mais a medida que envelheço, tenho tentado andar na minha realidade, e assim cada vez mais vou me despojando pelos caminhos e cada vez mais, dos valores tantas vezes frívolos que acreditava valerem muito, quando eu comecei a dar os meus primeiro passos como (imperfeito ser humano e fraco) genealogista.

De outros genealogistas que conheci no início de minha caminhada é que eu tentava chegar até aqui, o que farei no próximo post, para poder falar do próximo livro. Mas antes termino recordando Mestre Carlos Rheiganthz, que a respeito de mania de genealogia me contou o seguinte caso, que com ele se deu, em ocasião que estava hospedado por um amigo diplomata em Amsterdam, e então o embaixador do Brasil na Holanda.  Estava no escritório do embaixador quando é recebida em visita oficial  uma comissão naval de um dos porta-aviões brasileiros. Com a formalidade de praxe e estilo, o embaixador apresenta Carlos Rheingantz ao almirante chefe do navio, que era por sua vez integrante da descendência de um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro. O cidadão tinha deixado de responder a diversas solicitações de informações para as publicações que se fariam e foram feitas, para as comemorações do IV Centenário da Fundação da cidade. E ele na ocasião,  se tivesse um buraco teria se jogado, com o fiasco que passou, pois quando Rheinganthz tocou no assunto da genealogia e do pirotécnico sobrenome do militar, ele na frente do embaixador e de toda sua oficialidade, envaidecido  emprôou-se e respondeu orgulhoso ao genealogista maior dos cariocas: É verdade!! É minha família, fundadora do Rio de Janeiro! Aliás, lá no Rio de Janeiro, por causa disso, tem até um cidadão que tem mania de genealogia e que tem me importunado por demais e a minha família por isso... ; ao que Rheinganthz o interrompeu e disse para vexame do militar: O maníaco sou eu!!!

Encerro aqui, com esta lembrança do meu amigo e patrono, o engenheiro e genealogista (muito mais genealogista que engenheiro) Carlos Grandmassom Rheinganthz, que foi quem em 1986 me ofereceu o  livro que apresentarei a seguir, e que foi o primeiro no Brasil publicado e dedicado inteiramente ao registro das genealogias de uma família.











quinta-feira, 1 de março de 2012

Das genealogias reais e imperiais em terras brasileiras.

Para o leigo ou o desinformado, qualquer estudo ou interesse genealógico  a primeira vista nada mais é que assunto relativo a nobrezas, realezas, riquezas, brasões, presunções, orgulhos e muitos preconceitos... mas até que assim foi, e tem sido durante boa parte da história de parcela da humanidade inculta.

Um caso exemplar e muito próximo, que me vem a recordação da imbecilidade humana e a incompreensão genealógica, dos que confundem genealogia e aristocracia ou nobiliarquia, é o de uma tia-avó da minha família materna, irmã de meu avô Menezes. Tia Carmem. Ela casou com um militar alta patente, que dominou e escravizou a vida toda sem a menor delicadeza interior, e para meu temor e  terror, até hoje quando abro uma lata de sardinhas, ou vejo alguém atacar estes estudos que tanto aprecio, me lembro da figura dela que era implacável com genealogias e genealogistas. Bastava ouvir alguém falar em origens, genealogia, barão, brasão, que ela disparava de pronto exaltada e furibunda, a cantilena desanimadora com a qual quase me aniquilou um dia em que adolescente fui almoçar em sua casa, e boboca cai na asneira de puxar o assunto; "Barão!!?? Genealogia?? Isso não vale absolutamente nada!!! Eu em solteira trabalhei num escritório no centro do Rio de Janeiro, onde tinha uma colega que era uma nobre russa exilada dos bolchevistes. Um dia a "princesa" passou mal e fui com o médico do escritório visitar e levar ajuda.... Ela morava numa pocilga, num sobrado, sobre um armazém comercial na Rua Senhor dos Passos. Cheguei lá com o doutor, uma escada enorme, íngreme, faltavam degraus, sem corrimão, tudo imundo, negro de sujeira, sem luz, abafado, o ar fétido, um completo abandono e pobreza. A princesa em trapos, passava mal, envenenada porque não cozinhava e comeu uma lata de sardinhas em conserva estragada. Por cima de tudo andavam e defecavam gatos e estavam lá jogadas por todos os cantos, apáticas, em catres imundos, sem nada fazerem, as parentas dela; irmães, mãe, tias, avó, todas duquesas, princesas russas, desdentadas, maltrapilhas, sujas, as exiladas, e que não trabalhavam nem cozinhavam. Inúteis!!! Minha colega, " a princesa", era a única que trabalhava e sustentava o bando de vagabundas, e para poder sair na rua, ela mesmo modelava com espermacete um dente para tampar a falha que tinha bem na frente...nem dente tinha!!!...que genealogia, que nobreza nada!!!! Isso é inutilidade!!!! Para que saber nome de avô!!! Lá quero saber quem foi meu bisavô? Deixa isso para lá....come o seu bobó de camarão que é melhor"

Ela coitada, não sabia que o estudo de gerações não é necessariamente nobiliarquia e que existem registros genealógicos que remontam a tempos bíblicos...mas não me cabe teorizar sobre o assunto, que já é considerado ciência, porque aqui, o interesse é o livro impresso, mas é importante, para um bom entendimento, ser lembrado que desde muito existiram dados de genealogias preservados em suportes diversos, desde antes até da invenção do papel, já que em pedras e papiros existiram e existem preservados informes de genealogias.

No Brasil diferente de Portugal onde existiam livros genealógicos impressos desde o século XVI, a genealogia aparece nos tempos coloniais, quando servia como amparo, acesso, reforço e confirmação de aptidões para as nomeações dos cargos públicos e militares, e questões sucessórias de títulos nobiliarquicos, direitos aristocráticos e patrimoniais. Então existiram também desde sempre nas terras brasileiras, linhagistas e genealogistas até profissionais, com obras manuscritas e guardadas em baús e gavetas. Aqui não permitia a intransigência reinol, a existência de tipografias ou impressores. E tudo que aqui se produziu de genealogias ficou inédito em manuscritos. Destes manuscritos brasileiros e seus autores, somente três notáveis ficaram preservados em bibliotecas e arquivos brasileiros, e destes, só dois foram publicados ainda no século XIX, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: a Nobiliarquia Paulistana de Pedro Tacques e o Catalogo Genealógico de Frei de Santa Maria Jaboatão.

A Genealogia Pernambucana de Borges da Fonseca, embora seja produção do tempo da colônia, só foi inteiramente publicada no século XX, nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O jesuíta Antonio Bonnucci morou na Bahia, e aqui escreveu uma obra com a palavra genealógico no titulo, mas o assunto nada representa do tema.

Mas mesmo assim, desde tempos remotos, os habitantes da colônia brasileira tinham contato com as genealogias reais, pois os Almanaques de Lisboa, que começaram a serem publicados no século XVIII, apresentavam a genealogia dos Reis de Portugal e os resumos das casas titulares, com metodologia muito correta. Aliás, se analisada pelo viés da metodologia utilizada, Portugal desde sempre, tudo que lá foi publicado, seguiu uma apresentação metodológica única e clara, enquanto aqui no Brasil, até neste nosso atual século XXI aparecem livros publicados com intricados labirintos de nomes e números, com gerações e nomes repetidos, cortados, com dados incompletos e apresentações graficas que são primores da balbúrdia.

Para o conhecimento das informações da progênie dos monarcas portugueses, existiam diversas obras, dentre as quais a muito extensa e completa História da Casa Real Portuguesa, publicada em 14 volumes entre os anos de 1735 a 1749, pelo que é considerado o Príncipe da Genealogia Lusitana, o padre Antonio Caetano de Souza. Esta até hoje apreciadíssima obra, foi a base principal dos estudos genealógicos reais portugueses durante o espaço temporal em que o Brasil foi colônia portuguesa.

Com a Independência, a genealogia nacional ficou parece, que esquecida e restrita somente as introduções dos pequenos almanaques, como o publicado em 1838 pela viúva Ogier, cujo marido, foi um impressor pioneiro no Rio de Janeiro. Em 1829 ele havia publicado o "Resumo da Vida e da Família do Principe Eugenio de Leuchtemberg", que ainda que tenha um odor de genealogia no titulo, é uma obra com aspecto mais biográfico e laudatório que propriamente genealógico. Note-se que enquanto no Brasil nada, em Portugal nas decadas de 1820 a 1840, eram publicados livros de genealogia em grande estilo. Tenho em minha coleção a estupenda obra em concepção e primor gráfico, publicada em Lisboa em 1840, intitulada Memoria Genealogica e Biográfica dos Tres Generaes Leites, e também a Resenha das Famílias Titualres no Reino de Portugal, publicada em 1838 em Lisboa, onde são apresentados os nobres do então recente império do Brasil. Mas isso realmente é nobliarquia!!!

Assim é que se pode considerar a década de 1840, em que se publicou o Almanak Laemmert com as genealogias imperiais, o inicio de uma maior divulgação do tema em terras brasileiras, mas note-se que foi somente 1867 que o francês Luis Aleixo Boulanger, antigo professor de caligrafia de Dom Pedro II, de suas irmãs, e de suas filhas as princesas Isabel e Leopoldina, publicou na mesma Typografia de Laemmert, o muito raro folheto, de 15 paginas e de 1/4 de fólio de tamanho, intitulado "Auguste Parenté de LL.MM. L'Emperaur D. Pedro II et L'Imperatrice D. Thereza Christina Maria".

L. A. Boulanger que era exímio artista, heraldista e ilustrador, foi o autor de diversos gráficos dos ancestrais dos Imperadores e suas famílias, desenhou, iluminou e caligrafou diversas cartas de brasões de armas com arte e maestria, mas justo nesta sua obra não brilhou tudo que poderia, pois não apresentou nada que tivesse qualquer valor notável para a genealogia dos reais ou dos estudos do tema no Brasil. É só um item curioso e raro da bibliografia, pois não passa de uma lista impressa, em ordem alfabética com nomes, datas e indicações familiares dos integrantes das casas as quais os imperadores estavam ligados por laços de sangue. Mas nem por isso deve deixar de ser mencionada e apreciada numa coleção do tema, e serve como um exemplo da passagem do interesse genealogico impresso, da realeza para a alta burguesia brasileira. Bibliografia pode ser também obra publicada, e arrolada sem se considerar o mérito de conteúdo. O exemplar da coleção está perfeito e foi originalmente integrante da vasta coleção de Francisco Marques dos Santos, antiquário, historiador e antigo diretor do Museu Imperial de Petrópolis.