Tenho para mim como certo, é prestei sempre muita atenção nisso, (já que
prestar atenção em tudo é a melhor distração) que a informação genealógica está
em toda e qualquer parte. Assim, sei que onde houver uma informação dos nomes
de um casal, ou um genitor ou genitora acompanhado de um filho que seja, como
se apresentam os dados de uma carteira de identidade, ou uma indicação qualquer
que outros dois são irmãos, ou primos, aí estará a informação genealógica
a ser considerada para a confecção de uma genealogia.
Tudo que forma uma célula familiar por mais reduzida e incompleta que seja;
sempre acaba sendo um dado a ser preservado ou aproveitado. Mas há que se fazer
perfeita distinção entre o dado genealógico e a genealogia pronta. Algo na
mesma proporção dos ingredientes e um bolo pronto. O produto finalíssimo da recolha, ordenação, transformação
e exposição de dados (o que muitas vezes demora décadas de pesquisas)
geralmente é o manuscrito transformado no livro genealógico.
Como um manuscrito não é um livro impresso, obviamente
que numa coleção que se proponha bibliográfica ficam fora os manuscritos
originais e outros suportes onde se apresentem textos finais de pesquisas
genealógicas. A coleção dos livros que venho apresentando contém em separado
também alguns manuscritos originais não impressos e em cópias não editadas,
também alguns cartões-postais e medalhas. O genealogista Victorino Chermont de
Miranda foi o primeiro a chamar atenção, e com muita propriedade discorrer
sobre a existência de itens da cartofilia como suporte para apresentação genealógica. Assim integram parte separada da
coleção algumas medalhas com dados genealógicos e uma inteiramente genealógica
por ter nela cunhada uma árvore com nomes e datas. Mas isso tudo está fora da
bibliografia. No meu entender são somente fontes e curiosidades.
É importante o genealogista nunca desprezar ou
deixar de perceber as fontes que tem acesso. Porque os dados que necessita
podem surgir não só de uma conversa pessoal, como também das informações passíveis de extração dos livros paroquiais e cartorários. É bom lembrar que
existem também as inscrições de lápides de sepulturas, das noticias de jornais,
de textos de correspondências, e também de retratos fotográficos ou artísticos.
Fazer a ordenação destes dados que recolhe e anota, usando uma metodologia
apropriada, é para o genealogista uma empreitada (e um prazer) igual a de quem
monta um grande quebra-cabeça.
Assim também existem livros, históricos,
biográficos e geográficos, publicados no Brasil desde o século XIX, com dados
genealógicos, mas que não são necessariamente livros de genealogia. Seriam fontes
ou genealogias finalizadas ?
Um destes livros que tem este enfoque misto
de história e genealogia foi publicado em 1868 por Fernando José Martins, que
assinou com as iniciais F. J. M. É obra pioneira, mas que não indica ser um
estudo genealógico nem no título: "Historia do Descobrimento e Povoação
da Cidade de S. João da Barra e dos Campos dos Goytacazes: Antiga Capitania da
Parahyba do Sul: E da Causa e Origem do Levante Denominado - Dos Fidalgos -
Acontecido no Meado do Seculo Passado: Dividido em Tres Partes".
Foi publicada no Rio de Janeiro, na Typographia de Quirino & Irmão.
A parte genealógica desta obra é apresentada
em texto quase discursivo, sem grande metodologia. O autor aparentemente não teria maior percepção do que poderia
ser um estudo genealógico de qualidade, já que no texto ainda que discorra
sobre sua própria família não apresenta quase nenhuma data, cita pouco locais e dados biográficos e nem mesmo a si próprio inclui dentro da obra, o que é uma pena, pois o conjunto de famílias que apresenta tem relevância na história da região e sabe-se pela sonoridade de alguns apelidos familiares ali descritos, que alguns descendentes dos citados, foram depois personalidades de destaque na vida pública brasileira.
No entanto ele tem o
mérito de ter sido o primeiro que ilustrou um estudo genealógico (por mais
deficiente ou pouco completo que seja) com a imagem ou retrato de um vulto ancestral. Numa época
de limitados recursos gráficos este fato é digno de se notar, ainda mais que depois desta ilustração, demorou ainda décadas para que outro livro genealógico aparecesse ilustrado com algum retrato familiar.
A edição de histórias de cidades com
a inclusão dos dados genealógicos, rol de famílias, de descendentes de fundadores, etc, etc, continua
até os tempos presentes algo comum nesse tipo de publicação de monografias de
histórias municipais de lugares por todo o Brasil, mas (com raras exceções) são sempre umas
publicações canhestras, com os dados e informações genealógicas mal
ajambradas e muito pouco elaborados. Verdadeiras
saladas russas com um pouco de tudo, mas quase nada que se aproveite. Os autores geralmente escrevem, o que é de lastimar, como se fossem os leitores de suas obras, somente os seus vizinhos (e seus vizinhos conteporaneos!!), sem nenhuma percepção de posteridade ou distância.
O exemplar da coleção não está em bom estado, tem furos de bicho, sem afetar o texto. Não me lembro do momento exato que veio para as minhas mãos, mas como na última página tem marcado o preço que paguei, pela caligrafia acho que devo te-lo adquirido de uma velhaca bigoduda, ai pelos idos da década de 1990.
O bibliógrafo Raymundo Sacramento Blake informa no seu Dicionário
que o autor quando morreu estava trabalhando na segunda edição desta sua obra
de 1868. Fica então para ele o benefício da duvida. Talvez a segunda edição
pudesse ser bem melhor e mais detalhada na parte genealógica.