Para o
leigo ou o desinformado, qualquer estudo ou interesse genealógico a primeira vista nada mais é que assunto
relativo a nobrezas, realezas, riquezas, brasões, presunções, orgulhos e muitos preconceitos...
mas até que assim foi, e tem sido durante boa parte da história de parcela da humanidade inculta.
Um caso
exemplar e muito próximo, que me vem a recordação da imbecilidade humana e a
incompreensão genealógica, dos que confundem genealogia e aristocracia ou
nobiliarquia, é o de uma tia-avó da minha família materna, irmã de meu avô
Menezes. Tia Carmem. Ela casou com um militar alta patente, que dominou e escravizou a
vida toda sem a menor delicadeza interior, e para meu temor e terror, até hoje quando abro uma lata de sardinhas, ou vejo alguém atacar estes estudos que tanto aprecio, me
lembro da figura dela que era implacável com genealogias e genealogistas. Bastava ouvir
alguém falar em origens, genealogia, barão, brasão, que ela disparava de pronto
exaltada e furibunda, a cantilena desanimadora com a qual quase me aniquilou um dia em
que adolescente fui almoçar em sua casa, e boboca cai na asneira de puxar o assunto; "Barão!!?? Genealogia?? Isso
não vale absolutamente nada!!! Eu em solteira trabalhei num escritório no
centro do Rio de Janeiro, onde tinha uma colega que era uma nobre russa
exilada dos bolchevistes. Um dia a "princesa" passou mal e fui com o médico do
escritório visitar e levar ajuda.... Ela morava numa pocilga, num sobrado,
sobre um armazém comercial na Rua Senhor dos Passos. Cheguei lá com o doutor,
uma escada enorme, íngreme, faltavam degraus, sem corrimão, tudo imundo, negro de sujeira,
sem luz, abafado, o ar fétido, um completo abandono e pobreza. A princesa em trapos, passava mal, envenenada porque
não cozinhava e comeu uma lata de sardinhas em conserva estragada. Por cima de tudo andavam
e defecavam gatos e estavam lá jogadas por todos os cantos, apáticas, em catres imundos, sem
nada fazerem, as parentas dela; irmães, mãe, tias, avó, todas duquesas,
princesas russas, desdentadas, maltrapilhas, sujas, as exiladas, e que não
trabalhavam nem cozinhavam. Inúteis!!! Minha colega, " a princesa", era a
única que trabalhava e sustentava o bando de vagabundas, e para poder sair na
rua, ela mesmo modelava com espermacete um dente para tampar a falha que tinha bem na
frente...nem dente tinha!!!...que genealogia, que nobreza nada!!!! Isso é inutilidade!!!! Para que
saber nome de avô!!! Lá quero saber quem foi meu bisavô? Deixa isso para lá....come o seu bobó de camarão que é melhor"
Ela
coitada, não sabia que o estudo de gerações não é necessariamente nobiliarquia
e que existem registros genealógicos que remontam a tempos bíblicos...mas não
me cabe teorizar sobre o assunto, que já é considerado ciência, porque aqui, o interesse é o livro impresso,
mas é importante, para um bom entendimento, ser lembrado que desde muito existiram
dados de genealogias preservados em suportes diversos, desde antes até da
invenção do papel, já que em pedras e papiros existiram e existem preservados
informes de genealogias.
No Brasil
diferente de Portugal onde existiam livros genealógicos impressos desde o século
XVI, a genealogia aparece nos tempos coloniais, quando servia como amparo,
acesso, reforço e confirmação de aptidões para as nomeações dos cargos públicos
e militares, e questões sucessórias de títulos nobiliarquicos, direitos aristocráticos e patrimoniais. Então existiram também desde sempre nas terras brasileiras, linhagistas e
genealogistas até profissionais, com obras manuscritas e guardadas em baús e
gavetas. Aqui não permitia a intransigência reinol, a existência de
tipografias ou impressores. E tudo que aqui se produziu de genealogias ficou
inédito em manuscritos. Destes manuscritos brasileiros e seus autores, somente
três notáveis ficaram preservados em bibliotecas e arquivos brasileiros, e destes,
só dois foram publicados ainda no século XIX, na Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro: a Nobiliarquia Paulistana de Pedro Tacques e o
Catalogo Genealógico de Frei de Santa Maria Jaboatão.
A
Genealogia Pernambucana de Borges da Fonseca, embora seja produção do tempo da
colônia, só foi inteiramente publicada no século XX, nos Anais da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. O jesuíta Antonio Bonnucci morou na Bahia, e aqui
escreveu uma obra com a palavra genealógico no titulo, mas o assunto
nada representa do tema.
Mas mesmo
assim, desde tempos remotos, os habitantes da colônia brasileira tinham contato
com as genealogias reais, pois os Almanaques de Lisboa, que começaram a serem
publicados no século XVIII, apresentavam a genealogia dos Reis de Portugal e os
resumos das casas titulares, com metodologia muito correta. Aliás, se analisada
pelo viés da metodologia utilizada, Portugal desde sempre, tudo que lá foi
publicado, seguiu uma apresentação metodológica única e clara, enquanto aqui no
Brasil, até neste nosso atual século XXI aparecem livros publicados com
intricados labirintos de nomes e números, com gerações e nomes repetidos, cortados, com dados
incompletos e apresentações graficas que são primores da balbúrdia.
Para o
conhecimento das informações da progênie dos monarcas portugueses, existiam
diversas obras, dentre as quais a muito extensa e completa História da Casa
Real Portuguesa, publicada em 14 volumes entre os anos de 1735 a 1749, pelo que é considerado o Príncipe da Genealogia
Lusitana, o padre Antonio Caetano de Souza.
Esta até hoje apreciadíssima obra, foi a base principal dos estudos genealógicos
reais portugueses durante o espaço temporal em que o Brasil foi colônia
portuguesa.
Com a Independência,
a genealogia nacional ficou parece, que esquecida e restrita somente as introduções dos
pequenos almanaques, como o publicado em 1838 pela viúva Ogier, cujo marido, foi
um impressor pioneiro no Rio de Janeiro. Em 1829 ele havia publicado o "Resumo
da Vida e da Família do Principe Eugenio de Leuchtemberg", que ainda
que tenha um odor de genealogia no titulo, é uma obra com aspecto mais
biográfico e laudatório que propriamente genealógico. Note-se que enquanto no Brasil nada, em Portugal nas decadas de 1820 a 1840, eram publicados livros de genealogia em grande estilo. Tenho em minha coleção a estupenda obra em concepção e primor gráfico, publicada em Lisboa em 1840, intitulada Memoria Genealogica e Biográfica dos Tres Generaes Leites, e também a Resenha das Famílias Titualres no Reino de Portugal, publicada em 1838 em Lisboa, onde são apresentados os nobres do então recente império do Brasil. Mas isso realmente é nobliarquia!!!
Assim é
que se pode considerar a década de 1840, em que se publicou o Almanak Laemmert
com as genealogias imperiais, o inicio de uma maior divulgação do tema em
terras brasileiras, mas note-se que foi somente 1867 que o francês Luis Aleixo
Boulanger, antigo professor de caligrafia de Dom Pedro II, de suas irmãs, e de
suas filhas as princesas Isabel e Leopoldina, publicou na mesma Typografia de
Laemmert, o muito raro folheto, de 15 paginas e de 1/4 de fólio de tamanho,
intitulado "Auguste Parenté de
LL.MM. L'Emperaur D. Pedro II et L'Imperatrice D. Thereza Christina
Maria".
L. A.
Boulanger que era exímio artista, heraldista e ilustrador, foi o autor de
diversos gráficos dos ancestrais dos Imperadores e suas famílias, desenhou,
iluminou e caligrafou diversas cartas de brasões de armas com arte e maestria,
mas justo nesta sua obra não brilhou tudo que poderia, pois não apresentou nada que tivesse
qualquer valor notável para a genealogia dos reais ou dos estudos do tema no
Brasil. É só um item curioso e raro da bibliografia, pois não passa de uma
lista impressa, em ordem alfabética com nomes, datas e indicações familiares
dos integrantes das casas as quais os imperadores estavam ligados por laços de
sangue. Mas nem por isso deve deixar de ser mencionada e apreciada numa coleção
do tema, e serve como um exemplo da passagem do interesse genealogico impresso, da realeza para a alta burguesia brasileira. Bibliografia pode ser também obra publicada, e arrolada sem se considerar o mérito
de conteúdo. O exemplar da coleção está perfeito e foi originalmente
integrante da vasta coleção de Francisco Marques dos Santos, antiquário, historiador
e antigo diretor do Museu Imperial de Petrópolis.
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