No ano de 1986 eu recebi, por ter publicado um
trabalho de genealogia, uma telefonema (e convite para visitá-lo e conhecer
pessoalmente) do maior genealogista brasileiro do século XX, Carlos Rheingantz.
Ele não era só o maior por causa do que tinha publicado, do que pesquisou, e do
arquivo do Colégio Brasileiro de Genealogia que havia montado, e estava em seu
poder, mas por causa do que admiravelmente tinha guardado no cofre de sua
memória.
Nascido em abastada família brasileira, Rheingantz
teve por toda vida, relações familiares, sociais, de amizade e até de
vizinhanças com mais de meio mundo do Rio de Janeiro, que era então a capital
do país, e como aqui aportavam pessoas de todos os lados do Brasil seus conhecimentos
se alastravam sobre todos os estados do território nacional. Então quando eu o
conheci, ele já contava mais de sessenta anos de idade e pode-se calcular
mais de mil anos de muitas conversas e pesquisas, o que lhe tornava um
perigo e prodígio incalculável de informações e conhecimentos. Uma pena que não
tenha deixado escrito algo de suas memórias e observações pessoais de tudo que
soube, pois mesmo que muito do que sabia pudesse ser considerada nitroglicerina
pura, teríamos subsídios curiosíssimos, mas reais e inteiramente diferentes da
sociedade brasileira dos séculos XVIII, XIX e maior parte do XX. O negócio com
ele era tanto, e ele tão impossível de ser contido no afã de desvendar as
genealogias, que determinada ocasião um empresário de renome social e
financeiro carioca, foi queixar-se indignado ao Cardeal do Rio de
Janeiro, que Carlos Rheingantz estava a futucar e futricar com as raízes
(negras) de sua avó, e as pesquisas nos livros eclesiásticos quase estiveram
proibidas a ele por um bom tempo no Rio de Janeiro...
Só um exemplo dos detalhes de como sabia de tudo,
muito com excelentes pitadas de verdades maledicentes: lembro bem por ter
achado bastante graça na ocasião, quando eu com ele ao lado, fui
consultar no arquivo a ficha de uns ancestrais de uma velha e querida
parenta, e ele ao olhar a ficha seca e impessoal com datas e nomes de
integrante desta gente quase desconhecida dos meados do século XIX, disparou de
pronto: estas eram umas senhoras de cabelos muito compridos, que moravam na
rua....., e mudavam a maneira de pentear e prender os cabelos, para assim
enviarem mensagens cifradas para os amantes...A cabeleira delas funcionava
igual o mastro do Morro do Castelo, que enviava sinais semafóricos do movimento
dos navios na baia da Guanabara e no porto do Rio de Janeiro, por meio das
bandeirolas coloridas para toda a cidade....
Carlos Rheingantz com a honra do convite para
conhecê-lo, me permitiu depois de sua morte, ao lembrar-lhe o vulto e as
conversas, o que ele me proporcionou do que, eu quando matuto nesses
assuntos de genealogias, gerações, pessoas, fatos, famílias e personalidades,
chamo de remessa. Remessa para mim é a maneira de perceber e
contabilizar, tal qual a teoria dos seis graus de separação, o
quanto o um conhecimento num contato pessoal direto, de alguém na minha família
ou não, (ou no circulo dos genealogistas) pode me remeter a outras pessoas que
existiram e atuaram em distante
passado. Dessa maneira consegui remessas familiares com tres graus
de separação até ancestrais que nasceram na segunda metade do século
XVIII., e passei a ter para mim, a convicção que dai vem não só uma boa
energia, como uma legitimidade de uma herança humana muito pessoal e
diferenciada, algo que não se adquire se não for com muita vivência e os
contatos e os relatos que dai vem, são muito especiais e com chance de
serem mais próximos da realidade.
Foi assim, que por Carlos Rheingantz, contabilizei uma remessa que gosto de pensar e cultivar, uma lembrança de
notáveis genealogistas paulistas e importantes na genealogia brasileira. Rheingantz havia conhecido pessoalmente
o genealogista Frederico de Barros Brotero, falava dele com intimidade,
distinção e naturalidade. Brotero por sua vez tinha convivido e se relacionado
com o também grande genealogista Luis Gonzaga da Silva Leme.
Rheingantz é então, a minha ponte, com certeza absoluta, com somente mais dois
graus, de minha remessa até o vulto
de Silva Leme. E de Silva Leme eu sigo, apesar de não saber com certeza de
quem mais adiante de si conheceu e se relacionou, a imaginar ser bem provável, já que era ele nascido em 1852, que estivesse também, por ter
conhecido toda a paulistada de antanho, ele próprio a muito poucos graus de separação de Pedro
Taques, o genealogista colonial da capitania de São Paulo, falecido em
1777.
Falamos de Rheingantz, de Silva Leme e assim quase
chegamos a Pedro Taques de Almeida Paes Leme. No desdobrar de meu convívio com
Rheingantz, depois de muitas de minhas visitas e intermináveis conversas, ele
achou em determinado momento, vendo já o meu interesse em livros genealógicos,
que eu era merecedor de ganhar de presente uns seus documentos e pesquisas, e
alguns dos livros que compunham sua pequena biblioteca particular, na simpática
e acolhedora casa onde morava na Rua Alberto Torres, em Petrópolis.
Um dos livros que dele ganhei, com algumas
anotações e marcações suas, mais a recomendação na hora que me entregou, de que;
"Este é precioso!", foi o "Genealogia das
Famílias Botelho, Arruda, Sampaio, Horta, Paes Leme, Gama e Villas-Boas, Até
seus Actuaes Descendentes Conforme o "Nobiliario" do Conde D. Pedro,
a "Nobiliarquia Portugueza" do desembargador Villas-Boas, as
"Memórias de El-Rei D. João I" por José Soares da Silva, as "dos
Grandes de Portugal" por D. Antonio Cordeiro de Souza ( Sic) , a
"Historia Insulana" por Antonio Cordeiro, as "Memorias de Fr.
Gaspar da Madre de Deos " as " de Pedro Taques de Almeida Paes
Leme" e Diversos Outros Documentos Antigos, e Posteriores Noticias
Subministradas por Alguns dos Actuaes Descendentes dessas Famílias ",
editado no Rio de Janeiro, pela Typographia Universal de Laemmert em
1860. O autor que se escondeu por detrás de cinco estrelinhas, o sinal
como assina a advertência explicativa da impressão de "alguns exemplares
deste nosso tosco trabalho", foi o Visconde de Nogueira Gama.
Nicolau Antonio Nogueira Vale da Gama, o Visconde de Nogueira da Gama, nascido em
1802 e falecido em 1897, era integrante do circulo palaciano e tão próximo
e de confiança do poder, que era quem guardava a coroa do imperador Dom Pedro
II no dia da República. Assim creio que o interesse e o exemplo de publicar uma
genealogia centrada numa só família, já que ele discorre em seu texto, sobre os
troncos de seus avós maternos e paternos, foi algo moldado na sua
vivência e observação de corte.
Ele deixou escrito além deste livro pioneiro de
genealogia, as suas interessantes memórias que foram republicadas com anotações
de seu descendente o Magnífico Reitor Pedro Calmom. Neste livro de genealogia,
para qual usou também os dados e pesquisas do citado Pedro Taques, ele registra uma
poderosa rede familiar de pessoas integrantes como ele, da nobreza brasileira
do primeiro e segundo reinado, tais como a Marquesa de Santos, o Marques de
Baependy, o Visconde Barbacena, a Baronesa de Santana Lopes, o também genealogista, o Conde de Iguaçu, o Visconde de Gameiro, a
Viscondessa de Bonfim, os Marquezes de Jacarepaguá, e vários outros que foram
agraciados com títulos nobiliárquicos depois da edição do livro, bem como
diversos senadores, políticos, fazendeiros, financistas, e outros
integrantes da nobreza de acesso, como moços fidalgos e também personalidades
distintas do século XIX e XX.
É de notar-se que este livro embora pioneiro, ainda é um registro a ser olhado mesmo de fora do viez com que foi feito, e continua obra de validade inconteste até hoje depois de tanto tempo de editada, pois é pássivel de ser analisada fora do aspecto da simplicidade de uma genealogia de parcela da nobiliarquia brasileira: já que em suas páginas encontram-se com facilidade personalidades que se tornaram cabeças de linhas de outras famílias com atuação histórica e cujos integrantes continuam a desempenharem relevantes papeis em
diferentes áreas sociais, culturais e financeiras no país até os nossos dias.
No entanto vale observar também, que para a coleta
de suas notas familiares, o autor, que é sempre sucinto e impessoal nas
narrativas biográficas, na página 25, em nota de rodapé, agradece e anota
que usou a memória admirável da irmã de sua mãe, a sua respeitável
tia Dona Lourença Maria de Abreu e Mello. Esta Dona Lourença é ancestral direta
do médico e reconhecido memorialista juiz-forano Pedro Nava, que diferente do
autor, a descreve em aspectos familiares e curiosos muito interessantes,
em texto de recomendável e agradável leitura. Esses aspectos registrados pelo Dr.
Nava, eram os do tipo que tanta alegria dava ao Carlos Rheingantz, mas que já nesta
obra inicial da genealogia brasileira, foram escamoteados do texto.
Encerro adiante, recordando que estes aspectos no
entanto, pululavam nos livros de linhagens medievais, onde apareciam com
naturalidade as barregãs, e os cornos bravos e infelizes, por vezes a queimarem
castelos com as suas infiéis mulheres dentro. Infelizmente a polidez
hipócrita dos costumes educados dos séculos seguintes, de que tantos ainda
somos herdeiros, foram os inibidores de que o Visconde de Nogueira da
Gama iniciasse com realidade mais próximas das humanas as publicações genealógicas brasileiras.
O próprio Dr. Pedro Nava, o trineto da Dona
Lourença, em tempos mais liberais e verdadeiros, registrou com bom humor em
suas memórias como pensavam os enfatuados nobres e genealogistas daqueles
tempos e dos que se seguiram aos medievais: "os
pombos, os primos e os padres são os que sujam as casas"... Assim
pensando, na certa para deixar limpa a publicação da parentela de suas casas
avoengas, é que ao tratar dos filhos do Marques de Baependi, os seus primos, o Conde de Baependi e o Visconde Juparanã, os apresentou em sua obra,
devidamente comportados, podados da grande descendência que tinham com as
escravas de suas fazendas na região do vale do rio Paraíba do Sul, bem como também
omitiu, nas origens de seus outros primos, os Condes de Iguaçu, que a infeliz
consorte era uma filha bastarda (mas reconhecida) do imperador Dom Pedro I com
a Marquesa de Santos. Assim foi e tem sido o modelo e a fatura de tudo que se seguiu publicando, com raras exceções, os genealogistas brasileiros....
Grande privilégio você ter sido amigo do Rheingantz. Ri muito com o seu texto, está muito bem humorado... o ditado dos que sujam a casa, eheheh...
ResponderExcluirAbraços e escreva mais sobre as suas preciosidades, meu amigo!
Tudo tem sempre alguma exceção!!!!
ResponderExcluirBreve vou escrever do Vigário Periquito.
Obrigado e abraço
Heheheh, pois é, espero que eu esteja no rol da exceção, então!!! Vou aguardar o Vigário Periquito.
ResponderExcluirAbraço.
Estou ansioso aguardando seu novo texto! Abraço fraterno!
ResponderExcluir