terça-feira, 6 de março de 2012

Uma teoria de seis graus de separação entre genealogistas...


No ano de 1986 eu recebi, por ter publicado um trabalho de genealogia, uma telefonema (e convite para visitá-lo e conhecer pessoalmente) do maior genealogista brasileiro do século XX, Carlos Rheingantz. Ele não era só o maior por causa do que tinha publicado, do que pesquisou, e do arquivo do Colégio Brasileiro de Genealogia que havia montado, e estava em seu poder, mas por causa do que admiravelmente tinha guardado no cofre de sua memória. 

Nascido em abastada família brasileira, Rheingantz teve por toda vida, relações familiares, sociais, de amizade e até de vizinhanças com mais de meio mundo do Rio de Janeiro, que era então a capital do país, e como aqui aportavam pessoas de todos os lados do Brasil seus conhecimentos se alastravam sobre todos os estados do território nacional. Então quando eu o conheci,  ele já contava mais de sessenta anos de idade e pode-se calcular mais de mil anos de muitas conversas e pesquisas, o que  lhe tornava um perigo e prodígio incalculável de informações e conhecimentos. Uma pena que não tenha deixado escrito algo de suas memórias e observações pessoais de tudo que soube, pois mesmo que muito do que sabia pudesse ser considerada nitroglicerina pura, teríamos subsídios curiosíssimos, mas reais e inteiramente diferentes da sociedade brasileira dos séculos XVIII, XIX e maior parte do XX. O negócio com ele era tanto, e ele tão impossível de ser contido no afã de desvendar as genealogias, que determinada ocasião um empresário de renome social e financeiro carioca, foi queixar-se  indignado ao Cardeal do Rio de Janeiro, que Carlos Rheingantz estava a futucar e futricar com as raízes (negras) de sua avó, e as pesquisas nos livros eclesiásticos quase estiveram proibidas a ele por um bom tempo no Rio de Janeiro... 

Só um exemplo dos detalhes de como sabia de tudo, muito com excelentes pitadas de verdades maledicentes: lembro bem por ter achado bastante graça na ocasião, quando eu com ele ao lado, fui consultar  no arquivo a ficha de uns ancestrais de uma velha e querida parenta, e ele ao olhar a ficha seca e impessoal com datas e nomes de integrante desta gente quase desconhecida dos meados do século XIX, disparou de pronto: estas eram umas senhoras de cabelos muito compridos, que moravam na rua....., e mudavam a maneira de pentear e prender os cabelos, para assim enviarem mensagens cifradas para os amantes...A cabeleira delas funcionava igual o mastro do Morro do Castelo, que enviava sinais semafóricos do movimento dos navios na baia da Guanabara e no porto do Rio de Janeiro, por meio das bandeirolas coloridas para toda a cidade....

Carlos Rheingantz com a honra do convite para conhecê-lo, me permitiu depois de sua morte, ao lembrar-lhe o vulto e as conversas, o que ele me proporcionou do que, eu quando matuto nesses assuntos de genealogias, gerações, pessoas, fatos, famílias e personalidades, chamo de remessa.  Remessa para mim é a maneira de perceber e contabilizar, tal qual a teoria dos seis graus de separação, o quanto o um conhecimento num contato pessoal direto, de alguém na minha família ou não, (ou no circulo dos genealogistas) pode me remeter a outras pessoas que existiram e atuaram em  distante passado.  Dessa maneira consegui remessas familiares com tres graus de separação até  ancestrais que nasceram na segunda metade do século XVIII., e passei a ter para mim, a convicção que dai vem não só uma boa energia, como uma legitimidade de uma herança humana muito pessoal e diferenciada, algo que não se adquire se não for com muita vivência e os contatos e os relatos que dai vem, são muito especiais e com chance de serem mais próximos da realidade.
 
Foi assim, que por Carlos Rheingantz, contabilizei uma remessa que gosto de pensar e cultivar, uma lembrança de notáveis genealogistas paulistas e importantes na genealogia brasileira.  Rheingantz havia conhecido pessoalmente o genealogista Frederico de Barros Brotero, falava dele com intimidade, distinção e naturalidade. Brotero por sua vez tinha convivido e se relacionado com o também grande genealogista Luis Gonzaga da Silva Leme.   Rheingantz é então, a minha ponte, com certeza absoluta, com somente mais dois graus, de minha remessa até o vulto de Silva Leme. E de Silva Leme eu sigo, apesar de  não saber com certeza de quem mais adiante de si conheceu e se relacionou, a imaginar ser bem provável, já que era ele nascido em 1852, que estivesse também, por ter conhecido toda a paulistada de antanho, ele próprio a muito poucos graus de separação de Pedro Taques, o genealogista colonial da capitania de São Paulo, falecido em 1777. 

Falamos de Rheingantz, de Silva Leme e assim quase chegamos a Pedro Taques de Almeida Paes Leme. No desdobrar de meu convívio com Rheingantz, depois  de muitas de minhas visitas e intermináveis conversas, ele achou em determinado momento, vendo já o meu interesse em livros genealógicos, que eu era merecedor de ganhar de presente uns seus documentos e pesquisas, e alguns dos livros que compunham sua pequena biblioteca particular, na simpática e acolhedora casa onde morava na Rua Alberto Torres, em Petrópolis. 

Um dos livros que dele ganhei, com algumas anotações e marcações suas, mais a recomendação na hora que me entregou, de que; "Este é precioso!", foi  o "Genealogia das Famílias Botelho, Arruda, Sampaio, Horta, Paes Leme, Gama e Villas-Boas, Até seus Actuaes Descendentes Conforme o "Nobiliario" do Conde D. Pedro, a "Nobiliarquia Portugueza" do desembargador Villas-Boas, as "Memórias de El-Rei D. João I" por José Soares da Silva, as "dos Grandes de Portugal" por D. Antonio Cordeiro de Souza ( Sic) , a "Historia Insulana" por Antonio Cordeiro, as "Memorias de Fr. Gaspar da Madre de Deos " as " de Pedro Taques de Almeida Paes Leme" e Diversos Outros Documentos Antigos, e Posteriores Noticias Subministradas por Alguns dos Actuaes Descendentes dessas Famílias ",  editado no Rio de Janeiro, pela Typographia Universal de Laemmert em 1860.  O autor que se escondeu por detrás de cinco estrelinhas, o sinal como assina  a advertência explicativa da impressão de "alguns exemplares deste nosso tosco trabalho", foi o Visconde de Nogueira Gama. 

Nicolau Antonio Nogueira Vale da Gama, o Visconde de Nogueira da Gama, nascido em 1802 e falecido em 1897, era integrante do circulo palaciano e tão próximo e de confiança do poder, que era quem guardava a coroa do imperador Dom Pedro II no dia da República. Assim creio que o interesse e o exemplo de publicar uma genealogia centrada numa só família, já que ele discorre em seu texto, sobre os troncos de seus avós maternos e paternos,  foi algo moldado na sua vivência e observação de corte. 

Ele deixou escrito além deste livro pioneiro de genealogia, as suas interessantes memórias que foram republicadas com anotações de seu descendente o Magnífico Reitor Pedro Calmom. Neste livro de genealogia, para qual usou também os dados e pesquisas do citado Pedro Taques, ele registra uma poderosa rede familiar de pessoas integrantes como ele, da nobreza brasileira do primeiro e segundo reinado, tais como a Marquesa de Santos, o Marques de Baependy, o Visconde Barbacena, a Baronesa de Santana Lopes, o também genealogista, o Conde de Iguaçu, o Visconde de Gameiro, a Viscondessa de Bonfim, os Marquezes de Jacarepaguá, e vários outros que foram agraciados com títulos nobiliárquicos depois da edição do livro, bem como diversos senadores, políticos, fazendeiros, financistas,  e outros integrantes da nobreza de acesso, como moços fidalgos e também personalidades distintas do século XIX e XX. 

É de notar-se que este livro embora pioneiro, ainda é um registro a ser olhado mesmo de fora do viez com que foi feito, e continua obra de validade inconteste até hoje depois de tanto tempo de editada,  pois é pássivel de ser analisada fora do aspecto da simplicidade de uma genealogia de parcela da  nobiliarquia brasileira: já que em suas páginas encontram-se com facilidade personalidades que se tornaram cabeças de linhas de outras famílias com atuação histórica e cujos integrantes continuam a desempenharem relevantes papeis em diferentes áreas sociais, culturais e financeiras no país até os nossos dias.

No entanto vale observar também, que para a coleta de suas notas familiares, o autor, que é sempre sucinto e impessoal nas narrativas biográficas,  na página 25, em nota de rodapé, agradece e anota que usou a memória admirável da irmã de sua mãe, a sua respeitável tia Dona Lourença Maria de Abreu e Mello. Esta Dona Lourença é ancestral direta do médico e reconhecido memorialista juiz-forano Pedro Nava, que diferente do autor, a descreve em aspectos familiares e curiosos  muito interessantes, em texto de recomendável e agradável leitura.  Esses aspectos registrados pelo Dr. Nava, eram os do tipo que tanta alegria dava ao Carlos Rheingantz, mas que já nesta obra inicial da genealogia brasileira, foram escamoteados do texto. 

Encerro adiante, recordando que estes aspectos no entanto, pululavam nos livros de linhagens medievais, onde apareciam com naturalidade as barregãs, e os cornos bravos e infelizes, por vezes a queimarem castelos com as suas infiéis mulheres dentro.  Infelizmente a polidez hipócrita dos costumes educados dos séculos seguintes, de que tantos ainda somos herdeiros, foram os inibidores de  que o Visconde de Nogueira da Gama iniciasse com realidade mais próximas das humanas as publicações genealógicas brasileiras. 

 O próprio Dr. Pedro Nava, o trineto da Dona Lourença, em tempos mais liberais e verdadeiros, registrou com bom humor em suas memórias como pensavam os enfatuados nobres e genealogistas daqueles tempos e dos que se seguiram aos medievais: "os pombos, os primos e os padres são os que sujam as casas"... Assim pensando, na certa para deixar limpa a publicação da parentela de suas casas avoengas, é que ao tratar dos filhos do Marques de Baependi, os seus primos, o Conde de Baependi e o Visconde Juparanãos apresentou em sua obra, devidamente comportados, podados da grande descendência que tinham com as escravas de suas fazendas na região do vale do rio Paraíba do Sul, bem como também  omitiu, nas origens de seus outros primos, os Condes de Iguaçu, que a infeliz consorte era uma filha bastarda (mas reconhecida) do imperador Dom Pedro I com a Marquesa de Santos. Assim foi e tem sido o modelo e a fatura de tudo que se seguiu publicando, com raras exceções, os genealogistas brasileiros....

4 comentários:

  1. Grande privilégio você ter sido amigo do Rheingantz. Ri muito com o seu texto, está muito bem humorado... o ditado dos que sujam a casa, eheheh...
    Abraços e escreva mais sobre as suas preciosidades, meu amigo!

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  2. Tudo tem sempre alguma exceção!!!!
    Breve vou escrever do Vigário Periquito.

    Obrigado e abraço

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  3. Heheheh, pois é, espero que eu esteja no rol da exceção, então!!! Vou aguardar o Vigário Periquito.

    Abraço.

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  4. Estou ansioso aguardando seu novo texto! Abraço fraterno!

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