domingo, 25 de novembro de 2012

Umas lembranças não importantes. (Um hiato na bibliografia)


O meu interesse no passado familiar foi despertado quando ainda na minha pré-adolescência, num dia chuvoso entrei num quarto de guardados da casa em que morava em Icaraí, Niterói, e deparei com as portas escancaradas, o móvel onde ficavam guardados roupas antigas, uns chapéus de senhoras, e até grossas velas de distantes velórios. Próximo de umas roupas puxadas para fora deste móvel, vi também no chão, diversas fotografias velhíssimas, ao lado de uma poça de água, ocasionada a partir da chuva que entrara por uma janela deixada sempre aberta deste tosco comodo, que embora feito de alvenaria, por ter o chão de cimento vermelhão, era apelidado de "barracão". 

Recolhi-as de imediato, deslumbrado com a cor de sépia desbotada, e com os suportes de papelão encorpados, adornados com os filetes e dizeres dourados tão característicos das fotografias e do primor dos gráficos do século XIX.

Arrumadas em cima da mesa da sala de jantar, fiz uma exposição e perguntei a minha avó quem era quem, quando ela foi dizendo um por um, uma outra sua irmã, que tinha também umas fotografias guardadas consigo, as juntou ao quebra cabeça. Pelas imagens aprendi a partir daquela tarde, a reconhecer os ancestrais e assim naturalmente quis saber mais quem era quem, e comecei a entender dos ramos familiares de minha avó materna; as fotografias que estavam no "barracão" eram do seu lado Furquim Werneck. 

As fotos de sua irmã, minha tia-avó Esther Barbosa Werneck de Almeida, eram do lado Alves Barbosa, uma gente nossa muito lembrada; "fundaram Vassouras". Eu que tinha crescido ouvindo os nomes, agora os conhecia pelas fotos; "vovô Saturnino, que morreu com 28 anos"; "tio Manoel Alves Horta, marido de Tia Leopoldina"; o "barão de Santa Fé e o Zeca Tavares Bastos"; a "baronesa de Santa Fé" e por ai adiante... Ao ouvir esses nomes e ver suas imagens, tendo minha avó ali ao lado como fonte de informações, foi um adentrar privilegiado nas penumbras do nosso passado e verdadeiras dimensões da nossa intimidade familiar.

Comecei a partir de então, a saber e reter, o que não estava visto nem em fotos, nem livros, nem documentos, mas sim o que ouvia relatado com riqueza de detalhes, verdades e emoções. E eu sempre queria saber mais, ao ponto de cansar ainda mais, a já cansada da minha avó; A senhora conheceu? Como era? Que fazia? Onde morava? Era assim ou era assado??? Que cor tinha? Qual era nome? Quem era vizinho? Era rico ou pobre? As vezes, constato hoje, eram tão irritantes minhas curiosidades e indagações, que muito justamente, eu era tocado de perto: "sai estafermo, vai bugiar, não me amola, me deixa em paz". Mas foi assim que consegui saber lembranças bem reais do passado de toda nossa gente, com seus casos, brigas, antipatias, amizades, casas com seus interiores e até vizinhos, que se um dia eu me dispusesse a colocar tudo num papel, seria uma cronica interminável que só não sei quem leria, ou acreditaria não ser romance ou invenção. Mas sei o valor pessoal desse contato que tive em minha vida, pois quando escrevi  o livro "O Casal Furquim Werneck e sua descendência  em 1986, fui buscar, com o impacto de quem se reconhece em algo real e profundo, uma das epígrafes com o mestre Pedro Nava: " O menino que está escutando e vai prolongar por mais cinquenta, mais sessenta anos a lembrança do que lhe chega, não como coisa morta, mais viva qual flor toda olorosa e colorida, límpida e nítida e flagrante como fato presente". 

Quatro ou cinco anos depois desse encontro com minha ancestralidade, através de fotografias e lembranças intimas, com minha avó já morta, eu já trabalhando fui, nas minhas primeiras férias para Vassouras, cidade que já tinha percorrido em criança em sua companhia. E andarilhando de lá para cá, acabei conhecendo personagens da sua parentela, das quais eu tinha já ouvido contar casos completos e sabia serem suas conhecidas. Uma destas foi Maria Luísa Fernandes da Silva, que morava na praça atras da igreja, caminho para o Cemitério da Conceição.

Eu vinha sempre do cemitério, dos bons papos com o Walter (coveiro e) sacristão, (meu amigo até hoje!!!) e ao olhar da rua interessado, as janelas abertas de seu casarão, tinha vontade de ver de perto os antigos retratos pendurados em molduras douradas, no salão de visitas da família do Dr. Antonico Fernandes. Hoje, passados tantos anos, percebo bem a senda que percorria hesitante; que para um genealogista, os retratos familiares, em pinturas ou fotos, são as ilustrações (verdadeiras almas aparentes) dos personagens de seus textos e estudos, tal qual são para os escritores, poetas, e romancistas, as obras artísticas produzidas para enfeite de suas edições bem elaboradas.


Casa do Dr. Antonico Fernandes - Vassouras
Aproximei-me debaixo da janela onde estava a senhora, que o Walter já tinha me dito quem era, e depois de saúda-la, perguntei se me permitiria visitar as suas salas e ver os quadros. Ela de maneira muito educada respondeu que; "em Vassouras não costumamos receber estranhos em nossas casas.....", ao que eu retruquei; "mas eu não sou tão estranho, meus parentes foram daqui". Ela rebateu: "Quem são?". Disse-lhe: "sou bisneto do Caetano Furquim Werneck...". Ela perguntou novamente: "filho de quem?". Eu respondi, já sabendo que a porta ia se abrir: "neto da Dora". Ela disse, depois de perguntar meu nome, "vocês são meus primos, sua avó foi colega de turma no Sion de minha irmã Dadá, e sua tia Esther foi da minha turma... agora é hora do almoço, mas venha as quatro horas que estarei lhe esperando!!!".

Na hora marcada em ponto, estava eu na sua porta, para ser recebido por uma senhora baixinha, toda preparada; óculos, echarpe verde ao pescoço, adornada de anéis e pulseiras, perfumada e levemente pintada com pó de arroz, rouge e batom. Empunhava uma antiga bengala negra de castão, e com um dos sorrisos mais acolhedores e simpáticos que tenho recebido nesta vida, passou logo em seguida, feito uma experiente guia de museu, a mostrar um por um os quadros, contando as histórias das pessoas, dos móveis e objetos, bem como dos personagens dos dois álbuns antigos de fotos que descansavam no salão principal de visitas, sobre uma mesa de centro de tampo ovalado de mármore. Só esta visita e as conversas que tivemos, me proporcionariam, se eu desejasse, páginas infindáveis de memórias e observações, até porque, a conversa que começou as dezesseis horas, terminou quase que a meia noite!!!

E o papo para ela, deve ter sido tão excelente como o foi para mim, e não só por ser uma quebra daquela pasmaceira da rotina vassourense de uma noite no meio da semana para uma senhora solitária. Digo isso porque pouco dias depois no hotel, chegou o convite para um almoço dominical em sua casa. E as impressões dela por mim foram boas mesmo, pois já em outro dia que passei defronte de sua residência numa manhã, ela ao ver-me, chamou-me a entrar novamente e falou: "Esta na cidade a Olga Lacerda,você deve ir lá visitá-la". Respondi: "sei que é parenta, e minha avó lhe visitou muitos anos passados, mas eu não tenho jeito para tanto...". Ela com segurança da amizade que tinha a prima, falou, pegando o telefone: "ela é parenteira, vai gostar de você..." E já ao telefone: "Berenice, a Olga por favor... sim, no banho... diga a ela que nosso primo Roberto vai ai hoje... sim... para o lanche... um abraço, falo depois". Desligou e disse objetiva, passando as senhas da casa da prima Olga Werneck de Lacerda; "chegue logo depois do almoço, que ela não tira sesta, e na hora do lanche, a casa está sempre cheia de visitas, e você não vai poder conversar tranquilo com ela... se estiver lá a Maria Romeiro Neto, não comente nada do Henrique Borges Monteiro e o Dr. Sebastião Lacerda que o assunto é tabu, eu não vou com você que tenho compromisso...".

Almocei ansioso no hotel, e fui rapidamente, naquela tarde de fevereiro a casa da parenta, mãe do famoso politico, de quem tinha ouvido falar a vida toda, e que já era falecido, bem como seu outro filho médico. Lembrava animado, de uma carta de minha avó à minha mãe, relatando a visita a mesma senhora, de uns vinte anos passados, onde minha avó e a Olga Lacerda tinham chegado a conclusão que éramos (a família de minha avó) muito mais parentes dos filhos dela,  porque haviam se reconhecidas parentes duas ou três vezes do seu marido, e duas vezes dela. Assim certo de uma acolhida fraternal e amiga, ia seguro para a residência onde ela costumava passar as férias de verão, na esquina da rua que antigamente era a Travessa Dr. Assis e Almeida, o avô de minha avó. Esse imóvel, estilo bangalô, foi construído num terreno desmembrado de uma quina dos fundos da antiga chácara dos Barões do Ribeirão, bisavô da própria Olga Lacerda.

Olga (Caminhoá Werneck) Lacerda

Quando cheguei no portãozinho de madeira pintado de um azulão vivo, e ia procurar como chamar; vi na janela a dona da casa, já bem idosa e na minha espera; "entre, entre". Não precisou nem de apresentação; me vi dentro da casa, e ela perguntando; "como somos parentes?". Lembrado das conversas com minha avó, mais do relato da carta, das genealogias e tudo que sabia e pensava, respondi que afora sermos eu e ela Werneck, eu era mais também, na realidade: "descendente dos barões de Santa Fé". Ela me olhou espantada, e para me desmontar às vãs pretensões de um parentesco e considerações diferentes, como eu na minha ilusão de mocidade imaginava ser possível merecer por descender de alguém, ouvi a sua franca resposta: "nunca ouvi falar desses!!!". 

Me senti com aquela, o mais perfeito estranho, e pouco a fazer doravante ali, pois assim, eu era só mais um Werneck como tantos outros milhares que deveriam a ter procurado as centenas, e ao filho político já falecido. Comentei então da casa da família de meu bisavô, que existiu ali defronte da casa dela, no local onde haviam construído o Senai de Vassouras. Ela sabia tudo; "sim, Furquim Werneck !!!", e me levou no seu quarto de dormir, onde me fez abrir uma gaveta mais baixa de uma comoda, para pegar um álbum de fotografias de capa dura, não muito grande, nem volumoso, marrom, tipico do inicio do seculo XX, com um cordão de seda amarrado e duas pontas com borlas de enfeites penduradas, nele estava dentre outras do mesmo padrão, uma foto pequenina, de margens picotadas, tipica dos anos 1940 dela com os filhos, todos alegres e risonhos na varanda daquela sua casa, vendo-se por cenário o casarão dos Furquim Werneck. Ela retirou a foto das cantoneiras, e a quis me oferecer, mas eu, sem jeito e por educação, mas com muita dó, recusei o espontâneo e carinhoso presente.

Mostrou-me depois, pendurada na parede da sua sala, a gravura de Vassouras por Victor Frond e disse: "Raul Fernandes que me deu de presente, comprou no Mercado das Pulgas em Paris, eu pedi, e ele escreveu atrás todos os donos das casas quem eram... pegue e olhe !!" tirei o quadro e vi admirado aquele documento iconográfico tornado tão mais valioso, que hoje tenho curiosidade de saber onde andará. Mas guardei algumas das indicações ali, que depois transcrevi para a idêntica gravura que também tenho. Não há como ao olhar esta  minha igual gravura, não me lembrar daquela tarde, daquela amável parenta que pouco tempo depois morreria no hospital de Barra do Piraí. E por extensão da figura de Raul Fernandes, também nosso parente por sangue e casamento, e amigo de meu bisavô Caetaninho, e tio da Luisa Fernandes que me proporcionou este encontro.

Foi nesse momento, que eu ainda constrangido do desconhecimento dela, ao falarmos de casas, me veio uma lembrança de uma conversa daquelas que eu havia tido com minha avó, lá em Icaraí, e que me ensejou indagar então da velha parenta: "a senhora não se lembra, de uma casa no Rio de Janeiro, na praça São Salvador, de sobrado e com porão habitável, com grades, jardins e um repuxo, que subia mais alto que o telhado, e nessa casa subia-se numa varanda tipo passadiço, de piso hidráulico amarelinho, para  dai entrar num corredor onde ficava um grande aparador de madeira com três reis magos de prata em cima? ". Os olhos dela, notáveis pelas grandes olheiras, brilharam, e com uma satisfação evidente, exclamou: "a casa de meu tio Juca, cansei de ir lá menina fazer visita, com a minha tia Carola!! O que você é dele?". O Barão de Santa Fé chamava-se José Rodrigues Alves Barbosa e tinha por apelido Juca. Era seu tio bisavô, irmão da  Baronesa do Ribeirão. Expliquei ainda meio constrangido, que ele era bisavô e padrinho de minha avó, quem o havia conhecido, o que dá sempre uma dimensão mais real nesses casos de reencontros nestas grandes parentelas. Ela ai lembrou da visita de minha avó e tias e quando começaram a chegar as visitas para o lanche que se seguiu, a cada uma que entrava, ela me apresentava; "este é meu primo Roberto, está em Vassouras de férias, veio me visitar. Eu muito pequenina, ia na casa de meu Tio Juca levada por minha tia Carola", e virava-se para mim e perguntava: "ele é o quê mesmo seu ?Era Barão de quê... ? "


Baronesa do Ribeirão
Foi assim, com essa acolhida fraterna, amiga, que recordo como entrei no passado vassourense; e pelas melhores e mais legítimas portas. Fui um felizardo.  Assim, sempre me senti capaz de dirimir qualquer dúvida e tirar a limpo qualquer questão que tocasse a minha ancestralidade. Tudo que ouvi sempre esteve assombradamente correto, para o bem ou para o mal!!!  O que eu não soube por elas, e muitas outros parentes que se seguiram, eu fui buscar nos cartórios e igrejas, ao ponto que com muita segurança, pude já neste século XXI, informar e colaborar na edição de uma obra notável, empreendida por genealogistas açorianos, de grandes prestígios nos círculos europeus destes assuntos. Os Açores é o lugar de onde partiu a maior parte das famílias pioneiras da cidade de Vassouras. Esta obra foi com certeza, a primeira fora de nossos limites territoriais (Europa), onde se deu a várias e extensas famílias brasileiras, um mesmo tratamento de igualdade e visibilidade, tal qual como eles os autores, apresentaram e trataram as próprias famílias açorianas. E tudo que lá informei está certo e correto. Passei com segurança e veracidade o que sabia e pesquisei durante mais de trinta anos, sem guardar informações ou verdades na gaveta, por orgulho ou vergonha que fosse. Tenho portanto em genealogia, a tranquilidade dos que trabalharam honesta e corretamente. Eu vivo sereno desde que li  a frase de Georges Rodenbach: "os nossos mortos morrem pela segunda vez quando nos os esquecemos" pois sinto ter tido a sorte de me ter clareado no entendimento, o significado exato do proposito disso tudo, e dessa minha vocação para esse chamado tão antigo. E vejo, sempre meio surpreso, que foi a partir desta conscientização, que não envolve nada de espiritismo ou de sobrenatural, que espantosamente começou a fluir algo de muito bom e certo em minha direção, para minhas mãos e minha vida.


No site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, algo extraordinário que o pesquisador de hoje tem a seu dispor, localizei estes dias o convite para a missa de sétimo dia que o barão de Santa Fé, o "Tio Juca" da prima Olga, o meu ancestral, mandou rezar na Corte, quando faleceu sua irmã, a Baronesa do Ribeirão, bisavó da mesma Olga Lacerda, o que comprova nada ser mais certo na história de Vassouras, do que a irmandade destes dois titulares do império. Filhos ambos que eram de Francisco Rodrigues Barbosa e Mariana Rosa de Jesus, netos paternos do açoriano florentino Francisco Rodrigues Alves, o pioneiro sesmeiro de Vassouras e de sua mulher a carioca Antônia de Sá Barbosa, e maternos de Henrique de Mendonça Furtado e Rosa Maria do Bonsucesso. 

Andei relembrando tudo isso, porque hoje na genealogia brasileira, existem três mulas híbridas e empacadas, jumentas periféricas e curiosas das famílias antigas vassourenses: os senhoritas (?) A.A.F, S.F. e J.R.V., que teimam de apresentar uma filiação equivocada para a Baronesa do Ribeirão. Eu já em 1991, trouxe a luz, juntamente a Dra. Vilma Novaes, um folheto intitulado, "Algumas Notas Para Acréscimos e Correção à Genealogia das Famílias Rodrigues Alves Barbosa e Avellar e Almeida, de Vassouras (Em Especial a Filiação da Baronesa do Ribeirão)  em que mostrava o engano de um lapso na sua filiação, mas isso incomodou sobremaneira esta velha mula racista paulista, que mantem um site de sua nobreza (sic) na internet e ficou incomodada com as citações do sangue cristão-novo da avó paterna da Baronesa do Ribeirão. Esta mula irriquieta, da raça hanibala, tipo missivista contumaz, cansatória e laudatória, colabora com o outra segunda jumenta, num site do abecedário inteiro de erros e asneiras repetidas, onde ela hanibala, também usa e abusa de suas tranças, intrigas e auto elogios. Posto que se fosse uma senhora digna, honrada e séria, essa jumenta imbecil que vive a perder tempo em se marcar a ferro e fogo no lombo velho, com uma girandola de brasões que não lhe pertencem, se tivesse ligações reconhecidas com estas antigas famílias vassourenses, não seria justo ela quem estrumaria com tanto ardor, as erradas informações que produz.  (Continuam... )
















4 comentários:

  1. Morri de rir do último parágrafo e aguardo ansioso e curioso a continuação.

    Grande Abraço,

    João

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  2. olga caminhoa werneck é minha tatara avó, sou descendente de um filho negro que ela teve com um homem com o nome de azevedo, sou bisneto do Lucio werneck de azevedo, irmao por parte de mae de carlos lacerda.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Sou neto de Julieta Furquim Werneck de Almeida,casou com seu primo Rafael de Mayrinck-Julieta Furquim Werneck de Mayrinck.

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