domingo, 28 de fevereiro de 2016

"FAZENDA TRÊS SALTOS: QUANDO O VALE CONTA HISTORIAS". OU UM LIVRO GATILHO PARA MINHAS LEMBRANÇAS E OUTRAS ENGRAÇADAS HISTÓRIAS.

Nestes dias que correm, um amigo bibliófilo ligou avisando: "publicaram um livro sobre uma fazenda dos Breves, e tem seu nome na bibliografia, algo que escreveu e está na internet". Pensei com meus botões; lá vem bomba. Mas até que desta vez, não. 

Pela primeira vez um livro destes sobre fazendas cita um texto meu ou pequisa minha fazendo a referência correta. Não sou historiador, nem tenho pretensões a nada, mas a lista de canalhas que tem o hábito desta falta, ou falha intelectual é enorme, e um dia eu vou discorrer com muito prazer, um a um destes casos. Principalmente os oriundos do meio acadêmico vassourense ou dos sobre as fazendas de café. Tem nomes ilustres nesse costume nefasto. 

Os Breves, os antigos proprietários da Fazenda Três Saltos, de Piraí, formaram uma das mais antigas, ricas e estranhas parentelas fluminenses. Merecem mesmo muitos estudos e livros. Souberam ganhar dinheiro com o suor e sangue dos negros, e souberam gastar o dinheiro também. 

Quando eu fui pesquisar meus costados de Piraí, ( arraial dos Breves ), acabei tendo contato epistolar com o famoso cronista da família, o Padre Reynato Breves. Mas logo percebi que ele não poderia me ajudar muito, porque o interesse dele, era obviamente só Breves. Mas foi muito simpático e acolhedor, por meio das cartas que trocamos e tenho guardadas em meu arquivo.

Um pouco acostumado com a bibliografia e iconografia fluminense, acabei comentando com o Padre Breves, da beleza de umas pinturas de antepassados seus, ancestrais desses fazendeiros de origem açoriana, que se perpetuaram na história, pela quantidade de escravos que traficaram, comerciaram e possuíram em suas incontáveis fazendas. Mas fiquei algo surpreso na resposta do Padre, já que também surpreso, me informava nunca ter visto uma tela, que estava reproduzida justo no Anuário do Museu Imperial. Eu providenciei uma cópia para o Padre, e assim fomos trocando cartas, até que tempos depois recebi o grosso tijolo que ele publicou sobre sua família, iniciada nos nobilíssimos Condes de Breves.

Tenho satisfação de ter conhecido epistolarmente o padre Breves, foi um homem infeliz deslocado dentro da igreja católica. Hoje talvez fosse um herói. No dia que lhe lembrarem a vida rocambolesca, decerto será um mito, já que um maldito bispo lhe caçou o sacerdócio e publicou no jornal O Globo, que ele vivia maritalmente com o sacristão. E foi assim, que suspenso das ordens, fundou a sua igreja independente de Santa Teresinha, na Barra do Piraí. Morreu precocemente num acidante automobilístico. Para a genealogia da região, sua morte foi irreparável perda. 

Mas tive imenso gosto de ver neste livro da Fazenda Três Saltos, publicados por Mary del Priore e Eduardo Schnoor, os tais retratos pintados dos Breves, que integram a coleção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 

 São belas pinturas, retratos enigmáticos, embora toscos. Nada pode ser mais estranho e feio por exemplo; que a fisionomia da senhora de toucado e óculos. Tão feia que choca, e acaba por ficar belíssima pintura, pela realidade estranha que documenta. Flagrante vivo do passado. Quase que se pode sentir o cheiro que deviam exalar, nessas roupas endomingadas e suadas. Excelente poder ver as telas coloridas agora no livro da Fazenda Três Saltos. Eu os conhecia sem colorido, publicados por Alberto Lamego, na sua obra O Homem e a Serra. E disso não passava  o meu conhecimento desse assunto; pinturas, retratos e Breves. Mas sabia que pertenciam ao cineasta Mario Peixoto, já que o poeta Alexei Bueno, amigo deste último, tinha visto na casa do próprio Mario Peixoto, em Mangaratiba, que segundo ele Alexei, tinha semelhança notável com o ancestral, o tal velho Joaca, o Rei do Café.

Em dezembro de 1995, ou inicio de janeiro de 1996 eu recebi no meu trabalho, a Livraria Universal, uma telefonema do Embaixador João Hermes de Araujo, (casado com uma Breves Graúda).  O embaixador me era grato: o proprietário da livraria, o empresário Joaquim Monteiro de Carvalho, presidente do Grupo Monteiro Aranha, havia adquirido um belo e antigo album de fotografias, pertencente ao Conde Haritoff, marido de uma Breves, e por minha intermediação, o Dr. Joaquim emprestou o album ao Embaixador, e acabou na sua admirável generosidade, por oferecer de presente o album ao embaixador.

Na residência do Embaixador, eu tinha visto tempos antes, o famoso retrato do José de Souza Breves, vestido com roupas tipicas de açoriano. Era um outro famoso quadro da iconografia dos Breves, tela que tinha pertencido ao museu particular David Carneiro, de Curitiba, e que então, estava em sua coleção particular. O Embaixador achava que este retrato, era de autoria do Jean Batista Debret, e para confirmar a assertiva, mostrava uma gravura da "Voyage Pittoresque et Historique au Bresil",  do Debret, onde está  um fazendeiro que sapeca furibundo com um chicote, um infeliz negro imobilizado com um pau de guatambu. Não havia muito como se negar ser o retrato do fazendeiro Breves e o fazendeiro da gravura, a mesma pessoa.

O embaixador João Hermes nessa conversa, por telefone, fala de diversos assuntos antigos, genealógicos, porque sempre teve um bom papo, e quase ao fim da conversa, ele diz, que tinha ficado chocado, "um parente distante da minha mulher", que se interessava pela história dos Breves, tinha ido num antiquário em Copacabana, e visto a venda todos os tais quadros, que tinham pertencido ao Mário Peixoto, postos lá a venda, por um seu herdeiro ou empregado", (chamado Saulo, Menelau ou Argeu, não me lembro....bem). 

O Embaixador João Hermes, proprietário de uma espaçosa fazenda antiga dos Breves, na região de Volta Redonda, estranhamente disse, para fechar o relato, que não havia lugar para tantos quadros, mas tinha muita pena, de não poder fazer "absolutamente nada", e que assim, os retratos se dispersariam e perderiam. Eu na mesma hora, de pronto falei: "o senhor, que é vice-presidente do Instituto Histórico, e já que o tesoureiro lá é o Victorino Chermont de Miranda, que tem um grande interesse em iconografia antiga do império, fale com ele, que o Instituto compra tudo. Esses quadros tem alto valor histórico,  extrapolam o interesse familiar, e assim ficam juntos e preservadas". O ovo de Colombo foi posto por mim em pé, e o embaixador exclamou: "Que boa ideia, é verdade, falarei com o Victorino" e desligou o telefone. Esta foi toda minha participação no caso, e mais eu não soube, nem o embaixador deu um qualquer retorno do andamento do que falara, até que em um outro dia, um outro camarada da genealogia, que era então, também casado com uma Breves (Miúda), entra na livraria e fala: "Roberto, eu ia chegando no IHGB, e estava o Dr. Victorino Chermont desembarcando todos os quadros dos Breves que estavam a venda em um antiquário de Copacabana. Mas ele pediu que não falasse nada disso com ninguém, especialmente com você (sic) Roberto, pois é um segredo"; (uma surpresa para o aniversário ou uma efeméride qualquer do Instituto).

Esse é o Brasil, e os homens cultos de nossa terra. A intelectualidade nativa. As penas dos pavões , até as menores, e menos coloridas, rodam de rabo em rabo de urubus, e os pavões coitados, que já tem as canelas horrorosas, estão sempre com os rabos depenados, iguais frangos de geladeira de supermercados.... Em compensação, urubus lindos....


Ora bolas, eu não tinha nem visto os tais quadros, mais a sugestão da aquisição pelo IHGB foi minha, ao embaixador, não tinha porque esconderem a compra. Saiu o camarada da livraria, e entrou o autor do livro agora publicado, sobre a Fazenda Tres Saltos, o historiador Eduardo Schnoor, por isso essas lembranças. Eu, já por ser grande o segredo do polichinelo, informei logo da compra dos quadros dos Breves pelo IHGB.  Foi o que bastou para Eduardo Schnoor pegar o telefone e imediatamente informar ao jornalista Elio Gaspari do acontecido. O jornalista parecia ter interesses também na história dos Breves. O jornalista me ligou e fez umas perguntas. Ficou de ligar mais outra vez sobre o assunto, e não aconteceu. 


Assim foi o porque, que no domingo 14 de janeiro de 1996, na hora do meu almoço, recebo uma chamada telefônica, e do outro lado da linha, uma mulher aflita e histérica, perguntava aos gritos, como se mortalmente ferida, se eu era o (famigerado) Roberto Menezes de Moraes? Ofegante, perguntava se tinha sido eu mesmo que tinha "descoberto" os quadros dos Breves num antiquário de Copacabana???? Se eu confirmava isso....   Um mal estar, naquela tarde calorenta, no meio de um bom almoço.... ela passou o telefone ao marido, para ele vociferar bravo, para reclamar, que eu lhe tinha arrancado (as penas ou) o mérito da descoberta notável dos quadros num antiquário qualquer mambembe de uma galeria na Rua Siqueira Campos. Foi ai que entendi, mais ou menos, que tanta agonia, era devida ao fato que no O Globo daquele domingo, tinha saído um artigo de pé quebrado, sobre a epopeia dos benditos quadros. O cidadão não fez nenhuma questão de entender minhas explicações, enfurecido desligou sem despedir, e eu tratei de ir ler o tal artigo.  Reproduzo ele aqui, já que  o vejo publicado, estropiado com cortes, num site de Café e Breves. Claro que meu nome não aparece, e nem deveria. Entendo. Mas como saiu no artigo, e o embaixador confirmou tudo ao jornalista, ao bem da verdade, fica aqui o registro correto e a minha explicação.

Minha sorte com os Breves foi sempre fugaz, já que tempos depois, outros deles entrariam em contato comigo, por motivos diversos, mas nesse meio tempo, para piorar minha consideração e fama no meio dos nobilíssimos Breves, o genealogista açoriano Jorge Forjaz localizou a verdadeira origens dos "nobres Condes de Breves", na ilha de São Jorge. A verdade era serem eles oriundos de uma qualquer mulher solteira, cujo descendente tinha o apelido de Breves. Naquele estropiar de linguajar açorita, em que apelidavam-se uns aos outros com os epítetos mais incríveis, de maneira talvez de os diferenciar no meio do populacho e daquele extraordinário ramerrão de sobrenomes repetidos, onde por nove ilhas, todos são Coelho, Medeiros, Silveira, Dutra, Avilas, Fragas, Oliveiras etc etc etc.... Resta saber o que eles faziam naquela época, de breve para ganharem o apelido ligeiro. Se fosse hoje, eu sugeriria a hipótese de que são breves para telefonarem e reclamarem. E para esses outros que me escreviam, eu feito um idiota, a imaginar que queriam saber a verdade da origem ancestral, dava a boa nova, da verdadeira prosápia, não francesa, mas açoriana, para nunca mais receber notícias ou um obrigado pelos informes.... Acabei por publicar a verdade, quando chamado para colaborar no trabalho do Instituto Cidade Viva, que serviu de bibliografia, e motivo de aviso do meu amigo bibliófilo. 

Por hora hoje basta, vejo espantado que se passaram vinte anos do domingo fatídico.  Hoje por sorte temos a internet para divulgar outras versões de fatos e queixumes antigos. Acho que antes de morrer devo deixar acertadas aqui outras situações similares.

Volto BREVE, genealogia sempre rende papos, lembranças e descobertas incríveis: minhas próprias pesquisas mostraram no fim, que não há Breves no Brasil, que não sejam descendentes também de ancestrais meus, pois um dos mais remotos deles aqui na serra fluminense, casou-se com uma tia ancestral minha, de não sei quantas gerações. Se eu fosse como uma genealogista pretensiosa e falseta que conheci, Dona L.... , não hesitaria de declamar assanhado, essa tia que num emaranhado de casamentos, me liga a todos os Breves, graúdos e miúdos, como minha "tia tatara-tatara-tatara-atara-avó"..... 

Mas que ilusão!! Tudo dessa gente antiga é ilusão, nada do que se orgulhar, eles são tão caiporas quanto é este falar desta sacana e macróbia. Se singelos caipiras foram os velhos Breves, sapecadores de infelizes negros da região fluminense de Piraí e São João Marcos, assim também foram também, todos os integrantes da minha ancestralidade fluminense, com raras exceções. 

Ter trabalhado tantos anos em livraria, em contato direto com o público, onde entrava um e saía outro, o tempo todo, tudo que acontecia no Rio de Janeiro, as coisas mais dignas e indignas, acabavam ecoando pelo ambiente da livraria. Sabia-se assim de tudo que forma o material que rende as boas memórias. Quem sabe um dia......

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Os Açores são aves marinha de rapina, a genealogia de lá que me voou por artes de um cara de bagre, e retornou no bico de um abutre.....

Meu intento original era escrever somente sobre a bibliografia genealógica brasileira do século XIX. Eu vinha publicando minhas reflexões em ordem cronológica, explanando sobre cada livro da coleção que formei e julgava tão completa e fechada quanto é o cânone bíblico para os luteranos, isso no que tangia ao que fora publicado no Brasil até o inicio do século XX. Mas acabei empacado, por ser obrigado a escrever sobre um determinado livro, do qual não tinha nenhuma vontade ou gosto de escrever, mas era o que estava na fila pela cronologia. E para piorar a situação, apareceu um outro livro, que eu não tinha conhecimento que existia, que abriu e bagunçou o meu cânone genealógico, tanto que eu fui obrigado a compra-lo. 

É engraçado, aqui parece que se escreve para o vento, mas o controle automático das visitas no blog mostra como tem sido o movimento destas páginas, mesmo sem nenhuma publicação por um largo período. Movimentadíssimo!!! Um mistério!!! Pensei que isso era feito um diário secreto, que eu só partilhava com alguns amigos. Ledo engano!!! Assim, além dos amigos que falam pessoalmente, sobre o que tenho escrito, deve ter mais alguém que tem apreciado ou vigiado isso aqui, o que não deixa de ser um estimulo para continuar a escrever. Isso também não importa muito, eu um dia percebi que quem escreve, geralmente não escreve para ninguém, escreve primeiro para si mesmo, porque no geral o autor, quer ler justo aquilo que não leu em lugar nenhum.  Por isso ele escreve. Se satisfaz. Isso quando ele não é um plagiador, como muitos que existem, a sugarem textos e ideias de terceiros. E isso bem poderá ser assunto para um post mais adiante....

Bom era não precisar explicar muito, e falar logo dos livros de genealogia. Vou então pular a minha lista cronológica, e passarei a escolher a esmo, e rememorar o que quiser em livros e genealogia. Hoje então, quero lembrar como comecei a ter contatos com os livros de genealogia propriamente ditos, e como nesse mundo do colecionismo, tudo é ao mesmo tempo, tão impossível como possível!!! Vou escrever sobre um livro que tenho prazer de possuir, e os nomes de uns autores e genealogistas que conheci enquanto o buscava.

É bom invocar a memória de mortos de qualidade!!! Não sou espírita, mas esse é um grande mistério!!! Tenho certeza.

Minha avó tinha uma listinha de livros da família dela, que eu quando rapazote comecei a andar sozinho pelo Rio de Janeiro, comecei a procurar para comprar. O primeiro da lista foi o Livro da Família Werneck, do Dr. Belisário Vieira Ramos, publicado em 1947 pela Livraria Francisco Alves. Me lembro o dia que entrei pela primeira e única vez na famosa livraria do velho Alves, na rua do Ouvidor, já com as prateleiras praticamente vazias, para perguntar inocentemente ao vendedor se eles ainda tinham o tal livro do Belisário no estoque. Evidente que não tinha. Da compra dessa obra que fiz mais tarde, por uma indicação de Victorino Chermont de Miranda, eu farei com gosto, outro dia, um novo post. 

Um ensinamento eu tirei depois de muito observar, é que acho que não devermos ter nenhuma meta na vida que seja muito rígida. Nada que se aflija ou fruste muito. Não é ser desleal, desonesto, desleixado ou indolente, mas sim não deixar de seguir sempre adiante, mas sem aflições ou torturas, pois o que tiver que acontecer,  pelo caminho que se escolhe e passa, isso foi que vi, as coisas boas acabam chegando ou não, por mais impossível ou difícil que pareçam. E muitas vezes, por mero acaso, acontecem as melhores. Há que se ter uma sensibilidade. Uma meta muito rígida ou difícil que se estabelece, pode ser justamente em muitos casos, o que afasta quem busca, do melhor que pode lhe estar reservado. Tentarei explicar o porquê. 

Naquela busca dos livros da lista, nem lembro mais como, ai por volta de 1970 e pouco, caiu nas minhas mãos, emprestado ( mas nunca devolvido, explicarei depois por que....)  pelo velho primo Dr. Vladimir Werneck Furquim de Almeida, um exemplar do História e Genealogia Fluminense, publicado em 1947, pelo meu depois muito amigo, o Dr. Francisco Klörs Werneck. Pois nesse livro do primo Werneck aparecia uma citação de um tal livro do Marcelino Lima, Famílias Faialenses, (publicado na cidade da Horta, ilha do Faial, Açores, em 1923). Fiquei curioso para examinar a obra, e a procurei em livrarias e bibliotecas, numa época em que não existiam computadores e internet, não achava nenhuma pista. Avis rara, rarissima!!!  Assim não tive outra solução, que não fosse tomar coragem, e pelo telefone perguntar ao Dr. Werneck, que eu não conhecia, mas com muita cerimonia, onde e como eu poderia conseguir ter acesso ao tal livro açoreano.

As minhas visitas e amizade com o primo Francisco Klörs Werneck, que começaram a partir dessa telefonema, ainda darão mais um outro post aqui. Esclarecedor até, já que umas comadres velhas andaram ha uns tempos, transbordando de tricotar longas tranças de invejas sobre minha amizade com o bom primo Werneck. Mas isso é assunto de  mais adiante!!!

O certo foi que liguei para o primo Klörs Werneck, que me convidou ir a casa dele no Leblon, com aquela velha hospitalidade e acolhida fraterna dos antigos da família. Quando lá cheguei, ele disse que sim, tinha tido o tal livro de genealogia açoriana, muito raro, que eu buscava, do Marcelino Lima, mas que quando ele, Werneck, se mudara da Tijuca para o Leblon, por falta de espaço, havia vendido uns livros, e que este justamente, fora um  dos que vendera para um genealogista chamado Adalberto Britto Cabral de Mello, que devia morar no bairro da Tijuca.

Dessas coincidências notáveis na minha vida, (as facilidades do caminho) poucos dias depois, estava na seção de obras raras da Biblioteca Nacional, consultando o famoso nobiliário português do Felgueiras Gayo, quando um senhor consulente, com uma voz muito característica, baixinho, de terno e gravata, sentado na minha frente, na mesma comprida mesa, iniciou uma conversação, curioso sobre minha pesquisa. Os bons genealogistas tem sempre isso, essa curiosidade e disposição fraterna, para exercitar a boa vontade de ajudar. Eu buscava os Lacerdas, dos Lacerdas Werneck, dos Peixotos de Lacerda que foram citados no livro do Marcelino Lima.

A seção de obras raras da Biblioteca Nacional naquele momento era comandada pelo famoso e antigo professor Sebastião Hasselmann, trânsfuga do mosteiro beneditino, homem corpulento, alto, com os óculos amarrados com barbantes, botão da camisa estourando e revelando a grande barriga branca, que indo e vindo com os volumes do nobiliário, falava alto da minha pesquisa, para o meu constrangimento:  que ele era Lacerda da Bahia, do Elevador, falou de uma filha natural do avô, com uma escrava que nasceu negra de olhos azuis. Ele não parava de falar, isso creio hoje,  foi o que acabou por introduzir o tal senhor na conversa, que era velho conhecido do funcionário da Biblioteca. O senhor consulente para meu espanto, afirmou que era Lacerda também, e que tinha a tal ligação que eu queria, na árvore genealógica das filhas. Eles evidente que estavam também a gozarem o novato, pois determinado momento que achei um algo que queria e comentei com o senhor consulente, ele risonho falou para o Hasselmann, que me trouxesse uma coroa que estaria guardada na seção, já que os Lacerdas são sabidos serem descendentes de São Luís, rei da França.

Mas a conversa pegou, e o senhor consulente falou também de suas origens da Ilha da Madeira, da Ilha de São Miguel, dos Botelhos, de varonias e varonias de Botelhos, de brasões, de Carlos Rheingantz, e do Colégio Brasileiro de Genealogia, de Salvador de Moya, de sua família, de seu pai desembargador e genealogista, de casamentos de primos, de Pernambuco e de genealogias e outros genealogistas, e só no fim, ao se despedir, que ele se apresentou, me oferecendo o cartão de visitas, onde estava lá o nome dele: Adalberto Brito Cabral de Mello. Eu disse de imediato que era primo do Klörs Werneck, e que andava querendo ver o livro do Marcelino Lima que sabia que ele devia ter. Ele confirmou, que aquele livro era talvez um dos dois ou três que existiam no Brasil,  e que eu o poderia consultar em sua residência, na Rua Pinheiro da Cunha, e mais, que eu o procurasse, tinha planos de se mudar, e poderia me dar de presente um bom lote de livros que estava separando para descartar, duplicatas e outros sem grande interesse para ele. Que eu quando fosse, que levasse uma mala.

Tempos depois fui bater lá no alto da Tijuca, na Usina, na Rua Pinheiro da Cunha, antiga da Cascata, onde conheci sua mulher e prima, Dona Cristina, uma simpatia de senhora, tomei café, sai tarde e vim carregado de livros, trazendo emprestado o exemplar do Marcelino Lima. Antes de me entregar o livro, ele pegou uma caneta ( marca Bic, amarelinha, ponta fina, que sempre usava, de variadas cores, em suas pesquisas, fichas e gráficos, geralmente em compridos papeis quadriculado de escriturações contábeis) e assinou o nome dele na folha de rosto do livro, no canto superior esquerdo. Tirei as notas que quis. Minha mãe e uma irmã copiaram diversas páginas, pois naquela época, nem tão fácil era assim tirar cópias. Era caro e a grana era muito curta. E com muita pena, de não ter um exemplar daquele, devolvi o livro ao Cabral de Mello. Mas guardei todos os detalhes do exemplar. A encadernação e as anotações feita pelos diversos proprietários por quem a obra tinha passado. Voltei algumas vezes a residencia do Cabral de Mello e Dona Cristina, para ganhar e emprestar outros livros, depois que eles mudaram para a Rua Silva Telles, no Andaraí. A conversa e hospitalidade era sempre boa. Dona Cristina observava muito os genealogistas, e sentada numa bonita cadeira de balanço antiga, fazia observações muito precisas e curiosas de alguns personagens que então eu ia conhecendo, ou que quando acabei por conhecer, já estava bem alertado dos riscos que correria......

Uns dez anos depois, a vida de trabalhador havia me afastado do bom amigo Cabral de Mello. Depois do ano de 1976,  a sopa de andar por arquivos e bibliotecas acabara. O horário era duro e a pesquisa de genealogia ficou para lá. Nas férias as pesquisas sempre continuavam, tanto que acabei um dia, em casa de minha prima e amiga Vilma Dutra Novaes, em Rio das Flores, sabendo de um outro ramo de meus antepassados, os Garcia, que vinham da freguesia do Salão, na ilha do Faial. E pensei e falei no livro do Marcelino Lima, e no Cabral de Mello. Precisávamos o consultar novamente.

Estava presente no momento, na casa de minha prima, uma digamos, sombra funesta, que ficou no entanto calada. Cheguei no Rio de Janeiro, e mandei uma carta para o Cabral de Mello, pedindo novamente o livro emprestado. Ele respondeu, que emprestaria sim, que tinha sido oportuna minha solicitação, por que o livro estava emprestado ha muito tempo, e que era um bom motivo para ele o pedir de volta; para poder me emprestar. E informou que ele, que antes trabalhava no escritórios da Casa Colombo, agora estava trabalhando na administração do Hospital da Ordem do Carmo, na Rua do Riachuelo, onde eu deveria encontrar com ele, tão logo o livro lhe fosse devolvido. Nem preciso dizer, que a pessoa que tinha pego o livro emprestado, era justo a tal sombra funesta e calada da casa de minha prima.

Para minha decepção, e tristeza, o Adalberto Brito Cabral de Mello não chegaria a me emprestar novamente o livro, pois vi no jornal, que ele havia falecido. Imaginei que o livro nem tivesse sido devolvido pela sombra. Mas deixei passar um tempo, e escrevi para a viúva, Dona Cristina, dizendo que se ela desejasse vender aquele livro, o das Famílias Faialenses, eu estava interessado. Não disse, mas pagaria na obra, o quanto ela pedisse. Depois de largo tempo, ela respondeu que sim, venderia,  e que tinha demorado na resposta, porque nesse ínterim, os livros tinham sido organizados e apreçados por um amigo do Cabral de Mello, um Senhor Maranhão, e que eu marcasse com ele, para poder ir lá comprar a tal obra. Acertado um sábado de tarde, lá fui a casa do falecido Cabral de Mello.

Ao chegar, pergunto logo pelo livro, e o Senhor Maranhão, com a cara bem disfarçada e algo feliz, informou que um primeiro comprador já o havia adquirido. E não quis revelar o nome do comprador da obra que eu tanto queria. Mas como o  bom cabrito não berra, não reclamei, nem perdi a viagem, adquiri outros livros para minha coleção, que então era muito menor que a do Cabral de Mello. Os preços postos pelo Senhor Maranhão, (que não era profissional de venda de livros, e sim um curioso, atravessador e amador, todo inseguro dos preços que marcara), eram absurdos e confusos, o que devia ser caro era barato, e o barato era caro. Por isso nesse dia comprei a coleção inteira do Artur Resende, a Genealogia Mineira em 4 volumes, mais os índices.. Com um lápis com um borracha na outra ponta, o Senhor Maranhão ia acertando os preços, na vista dos compradores, a medida que eram escolhidos, com a justificativa benemérita que a venda era para ajudar a viúva. Dona Cristina no entanto, não participava de nada,  ausente com sua  tristeza, fora do quartinho onde estava sendo dispersa a biblioteca do seu bom marido. E assim, sai de lá frustrado, e minha vida seguiu. Tempos depois minha prima Vilma Novaes, conseguiu em Portugal, através de uma figuraça de suas relações de amizade, uma cópia completa do livro do Marcelino Lima. Eu tirei outra cópia para mim, mandei encadernar e fiquei bem feliz.

Dez ou quinze anos depois, uma dia toca o telefone da livraria que eu gerenciei por longos 12 anos; era um desses detestáveis pseudos clientes bibliófilos, que nada mais são que abutres disfarçados de bibliófilos, carniceiros. Este era um vil atravessador de livros dentro do comércio alheio, do tipo dos que vivem sempre na espreita de dar uma abocanhada no livreiro, ou uma bicada num incauto comprador. Como esse gajo sabia que eu colecionava livros de genealogia, queria a ajuda para colocar os preços nuns livros que tinha comprado na casa do já ha muito tempo falecido genealogista, o Dr. Leoberto de Castro  Ferreira, um dos sócios fundadores do Colégio Brasileiro de Genealogia, pessoa que conheci ligeiramente num jantar festivo, mas de quem só ouvi boas e melhores referências. Então o miserável do carniceiro travestido de bibliófilo entendido e sabichão, agora no papel de vendedor, foi crocitando pelo telefone, os títulos e os autores,  e eu bobamente respondia, "esse eu tenho, vale, e vale tanto!!" quando ele falou: Marcelino Lima, Famílias Faialenses, eu gelei , não consegui esconder direito o desejo, e disse honestamente: "esse eu não tenho, veja quanto quer nele, que tenho interesse e eu compro".

E assim ficou acertado, ele me venderia. Deu a palavra. Fiquei super ansioso, na espera de ver o exemplar. para poder saber de quem seria o quarto ou quinto exemplar no Brasil.  E o miserável carniceiro bibliófilo, que pousava todo dia na livraria desapareceu. Nunca mais foi, nunca mais, até que um dia entra pela porta, com  cara bem sinistra e faminta, e fala com a arrogância que lhe era habitual:  aquele livro, marquei caro, (seria algo em torno de R$ 500,00!!!), você não pagaria, deixei na livraria Camões para vender em consignação, e mais; "O Estrela, vai vender para o Waldyr Cordovil". Eu de pronto respondi:  "pois eu pago o dobro, vá lá busca-lo que pago agora em dinheiro". Foi o quanto bastou, para que o abutre esquálido colocasse sebo nas canelas finas, levantasse voo com as asas negras e encardidas, depenadas pela penúria dos que não trabalham, e fosse com o bico imundo e pernóstico, rápido buscar na Livraria Camões o tal livro. Quando retornou, para minha surpresa e disfarçada emoção, era o mesmo exemplar que fora do meu primo, o mesmo do Cabral de Mello, o tal que na minha juventude tinha estado em minha casa, o próprio que minha avó tinha visto junto comigo. Ele havia rodado o mundo  por mais de vinte anos e vinha agora para as minhas mãos, para ficar aqui na minha estante, ao meu lado.

Em 2007 esteve no Rio de Janeiro o amigo e grande genealogista açoriano Jorge Forjaz,  levei com satisfação meu exemplar para mostrar e pegar a sua assinatura, como prova de que aquele volume tinha estado também em suas mãos. Ele no entanto preferiu escrever numa das folhas brancas iniciais o seguinte texto: Em Memoria de Marcelino Lima, numa bela livraria do Rio de Janeiro, juntaram-se três genealogistas, todos com sangue do Faial, lembrando a Pátria Comum. Rio de Janeiro, 28.11.2007. Jorge Forjaz, a minha e mais outra assinatura, a de Paulo Fernando Telles Ribeiro.  Este texto escrito por quem escreveu, pelo valor humano e cultural que representa em sua terra, onde é profeta, é a bula que me concede a mais legítima cidadania açoriana honorária. E como tudo na vida tem um motivo, foi nesse mesmo dia, que Jorge Forjaz  me convidou para colaborar com a parte brasileira da edição da obra monumental que escreveu com Antonio Ornellas Mendes, publicada em 2009. Famílias das Quatro Ilhas ( Faial, Pico, Flores e Corvo).  Por ocasião do lançamento, fui a Lisboa com o meu livro, e lá ele complementou o texto de 2007, e em seguida eu coletei as assinaturas de diversos açorianos presentes no lançamento. No dia seguinte levei o meu exemplar, de volta ao  local onde havia sido impresso em 1923, na Tipografia Minerva Insulana, na cidade da Horta, na própria Ilha do Faial, onde coletei outras assinaturas de faialenses que achei tinham esse privilégio, gente que eu não gostaria de esquecer naquela viagem. A tiragem deve ter sido mínima. A Biblioteca da Cidade da Horta tem um exemplar. Contando os que devem ter sido perdidos, não creio fosse a tiragem de mais de duzentos ou trezentos exemplares. Imagino a dificuldade de em 1923 se conseguir papel com fartura numa ilha isolada no meio do Atlântico.

Hoje vejo, que foi a listinha que recebi de livros de genealogia de minha família, mais a nota que li no livro do Klörs Werneck, e toda a busca deste livro Famílias Faialenses que ali era citado, que acabaram por me despertarem para os Açores, e me aproximar de diversas pessoas, que passaram a ser lembradas e estimadas na minha vida. Para no final, me proporcionar, de forma muito honrosa,  ser colaborador na obra que foi feita nos Açores, em cujo prefácio está escrito ser uma atualização da obra Famílias Faialenses, de Marcelino Lima!!!

Os Açores assim, é hoje por eleição, minha terra ancestral adorável. Recentemente estive lá de novo, por mais de dois meses. Perambulando pelas ilhas, vendo as freguesias de onde saíram os meus ancestrais. Tenho sangue das nove ilhas!!! Acharam lá tudo isso tão diferente; um brasileiro com costelas açoritas, tanto tempo passeando além dos turistas convencionais, que fizeram uma reportagem de capa e 4 páginas (12/15), muito ilustradas, na edição da revista Didomingo do periódico Diário Insular. Falaram que a genealogia poderia ser um ponto para um turismo diferenciado. Que lá existem casas, lembranças e sepulturas de antepassados de pessoas espalhadas por todo o mundo. A diáspora açoriana. Não é nada, não é nada, mas quando lembro o início de tudo, vem a certeza que valeu a pena, distraiu a minha vida, não foi vício, não teve maldades. Ajudei muita gente a descobrir suas raízes açorianas. Tudo é prazer, embora muitos nem mereçam. Ficam no olvido!

Quanto a mim, no entanto, tenho a certeza que quando eu não estiver mais aqui, ainda o meu nome e dos meus filhos, estarão incluídos dentre os integrantes daquelas famílias açorianas, as mesmas famílias faialenses das quais um dia eu tive, lá no passado, o prazer de ler num documento guardado no Arquivo Nacional, onde debaixo do nome de meu sexto-avô André Francisco Peixoto de Lacerda da Silveira Bittencourt e sua mulher constava: "este casal pertencia as melhores famílias das ilhas". Isso é um nada para quem não tem ou liga, mas é meu passado, é imutável, e é muito para mim, e foi o que me deu a dimensão exata de que também integro a diáspora açoriana, e isso não por mim ou meus méritos, mas pela vida e luta de meus ancestrais. Só quem tendo sangue de corvinos, e foi até a ilha do Corvo, a menor dos Açores, percebe exato o que é isso!!! Não são tintas de nobreza, nem de riquezas, não é luxo, mas é a noção de pertença, de acolhimento, mas também obstinação de viver, coragem,  fé no futuro dos pósteros, a sabedoria e a alegria para se conseguir sobreviver na adversidade do mundo e da vida. São exemplos a serem pensados e maturados. Então, este é o meu norte exato. Isso tudo foi a expansão do meu entendimento, conseguido a partir da tomada de consciência que me despertou a leitura das entrelinhas da genealogia do livro do Marcelino Lima, enquanto eu sem me angustiar ou cobrar a tal grande meta, segui tranquilo o meu caminho.

E tudo fluiu!!! Quem não conseguir ver a genealogia desta forma, só perdeu tempo. Se eu conseguir morrer pensando nisso tudo assim, partirei feliz e a morte me será suave. Morrer, disse o Cristo numa parábola, é retornar a terra dos ancestrais.Parece piegas, mas se todos vamos morrer, que haja este consolo....é uma meta menor do que pensar na morte só em sofrer!!!
 
Quanto ao estimado exemplar, não vendo por nada, não dou e nem empresto para ninguém, egoistamente é só meu. É o brilhante da coroa de minha coleção, são mil e trezentos e tantos títulos de genealogia, maior parte que nada tem a ver comigo, mas este não, é importante para mim, é meu, então pedirei aos meus filhos que quando eu morrer, o entreguem de imediato, a biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de maneira que tenha utilidade como livro, mas que nunca mais pertença a ninguém particularmente.

Isso aqui já vale como um codicilo. Que assim seja, e que eles respeitem as manias de um colecionador com manias de genealogias!!!.







PS. Tempos modernos da Internet: Hoje antes de publicar estes texto, achei dois exemplares a venda do Famílias Faialenses, em livreiros estrangeiros, um dos exemplares está cotado em mais de 400 Euros!!!






sábado, 27 de dezembro de 2014

Genealogia, Empadas, Natal e Algumas Lembranças...



Um longo hiato. Não é que a genealogia para mim, nada mais sirva, afinal foi o meu interesse por ela, que proporcionou um tanto de boas coisas em minha vida, e numa dimensão tal, que só eu que sei!!! Mas nessa quadra da minha existência, com a experiência de vida que tenho, nesse mundo tão modernoso e bagunçado, já não vejo muita praticidade.

Nem sei mais direito como tudo começou, achava que era por causa de velhas fotos que achei um dia chuvoso, jogadas no chão de um quarto de guardados. Hoje, no entanto, distraído com outros afazeres, culinários, ocupado com uma massa de empadão que não deu muito certo, me vieram as lembranças de umas empadas que comi na infância, e percebi como o interesse dito genealógico, já estava permeando tudo, a muito mais tempo, de forma quase invisível na minha vida.

A genealogia é uma teia que liga não só parentes, mas o mundo, o nosso mundo, a outras histórias e outras vidas.

Havia uma senhora, amiga antiga da família, de minha mãe, de minha avó, e tias, dessas que se cumprimentam com alegria e intimidade nas ruas. Ela passava por frente de nossa casa sempre, para as compras, e um dia em que apressada, explicou, não podia conversar, tinha ido comprar camarões para fazer umas empadinhas para alguém. Eu sempre (infelizmente) metido a engraçado e debochado, na mesma hora disse que gostava muito de empadas. Essa doçura de senhora que chamava-se Nerina Cianconni da Silva, com os olhos muito claros e sorridentes, achou graça da franqueza e desejo do pré-adolescente, e prometeu fazer umas para mim também.

Dito e feito, dias depois ela me chamou na porta de casa, e entregou-me um prato de papelão de bolo de padaria, coberto com um pano de prato muito limpo, com uma dúzia de grandes e deliciosas empadas, ainda nas forminhas de metal, que pediu para depois eu devolver.

Eu conhecia o apartamento térreo em que ela morava, na antiga Avenida Estácio de Sá. Passava sempre ali, vindo do colégio. Quando fui devolver as formas, mandou que eu entrasse, para que a mãe dela, já bem velhinha, pudesse ver como eu estava crescido, já que tendo morado no apartamento (também) térreo do Edifício Grijó, da rua Nóbrega, em Icaraí, onde eu havia nascido, me conhecia desde sempre.

O autor numa das arvores de D. Eponina, e seu irmão mais velho.
A mãe de Nerina, era a dona Eponina Monteiro de Barros Couto, Cianconni pelo casamento. Me lembro dessa senhora, nas manhãs da minha mais distante infância,​ com uma caixinha redonda de Catupiry, junto a si, indo espalhar nos pés das arvores da calçada defronte do nosso prédio, miolo de pão, enrolado em bolinhas, para os passarinhos. Às vezes eu ia atrás dela, que repartia as bolinhas para que eu também participasse daquele ritual. Muito boa velhinha, um dia ficou toda feliz por que eu a chamei de “santinha dos passarinhos”.

Dona Eponina se vestia, naqueles idos de 1960, com uma roupa caseira que ia quase até o chão. Não me lembro de a ter visto com um vestido com a bainha no meio da perna, ou que lhe aparecessem os braços nus ou os pés com facilidade. Portanto quando vejo uma foto de uma senhora do início do século XX, nunca me permito estranhar, que no meu inconsciente esteja ela vestida na moda da Dona Eponina. E assim eu pela vida afora, tenho vestido todas as mulheres distintas daquelas épocas, que não vi pessoalmente ou vi a imagem, e que quero imaginar como eram.

Eu bem criança, antes dos seis anos de idade, entrava na casa de sua outra filha, a Dra. Miriam, com quem ela então morava, na época do Natal, para ver o presépio que ali era montado. Num caminho de areia, que serpenteava por todo o presépio, e rodeava um lago de espelho, e por meio de centenas de carneiros e seus pastores, os Reis Magos ficavam distantes até que se aproximavam da manjedoura no dia dos Reis. Aquilo para mim era eletrizante!!! Boas lembranças!!!

Minha avó Dora tratava a​ Dona Eponima como potência de mesma base. Era uma sinalização rara. Anos depois, quando bem enfronhado na genealogia, foi que eu  meio que intui o porque; aquela consideração, aquele respeito, aquela etiqueta, já vinham de gerações passadas. Entre elas, falavam uns nomes, que minha memória se acostumou a ouvir com alguma familiaridade. Não, não eram parentas nossas, mas elas tinham gente amiga e parentas em comum desde sempre. Saía um nome engraçado que me lembro bem; da Frederica, tanto que depois, o coloquei numa galinha vermelha, que ganhou um concurso de Miss promovido no  nosso galinheiro por um amigo frequentador do quintal da casa em morávamos em Icaraí.. .

Mas saía também o nome da mãe ou avó da tal fulana Frederica, a Baronesa Monteiro de Barros, amiga de meu bisavô Caetaninho, lá em Vassouras, no inicio do século XX. Amizade da mocidade deles, o que remontaria então, aos meados da segunda metade do século XIX, e ela havia sido amiga muito gentil em sua doença no final, no ano de 1909. Se ninguém agradeceu bem aquilo naquela época, eu hoje digo à memória dela: Obrigado!!! Já o brigadeiro Inácio Gabriel Monteiro de Barros, parente de Dona Eponina e da Baronesa, havia mais remotamente, durante a Revolução Liberal de 1842, cruzado e entregue o comando da 13ª Legião da Guarda Nacional, para o nosso ancestral, o Barão do Paty do Alferes. Era tudo, e todo um Brasil Imperial lembrado, umas fumarolas do passado da gloriosa e próspera província fluminense cafeeira que esvoaçavam naquelas conversas rápidas de Icaraí.

Dona Eponina tinha casa de veraneio em Paty do Alferes, onde já adulto, eu também andei , pois é a velha vila dos meus ancestrais, e numa visita que ali fiz a Dona Dulce Bernardes, espécie de sentinela moral, religiosa e social do arraial, era a zeladora mor da igreja e do cemitério, comentei que havia conhecido, e sido vizinho desde que nasci, da Dona Eponina e de suas filhas Myrian e Nerina. Ela arregalou os olhos e exclamou, num misto de assombro e veneração: o Dr. Cianconni era parente do Papa, e dona Eponima, (que era uma velhinha frágil), tocava piano admiravelmente bem, com o vigor de um homem.

Pois, nesse dia da devolução das forminhas das empadas, entrei por uma porta lateral do apartamento de Nerina, uma espécie de escritório, e vi pendurado na parede um quadro que me pareceu enorme, impactante, era o retrato do pai de Dona Eponina, Eduardo Leite de Abreu Couto, pintado em Londres quando lá estudou em menino. Fiquei encantado com a pintura. Lembro-me bem desse quadro até hoje. Posso quase que o descrever. Lembro as cores, o claro e o escuro, a textura do verniz, a elegância do retratado, a beleza e largura da moldura, e bem sei, o quanto aquilo representava de todas aquelas velhas famílias que elas pertenciam, Monteiro de Barros, Leite Couto, Breves etc etc.

Dona Eponina já morta, muitos anos depois, eu lembrei que a Nerina havia se queixado que existia um livro da família delas, o da Família Monteiro de Barros, de Frederico de Barros Brotero, que ela havia perdido ou mal emprestado. Foi assim, que eu já adulto, recordei do caso das empadinhas, do gesto tão carinhoso da Nerina e tendo uma duplicata da obra, peguei-a ​e fui , numa manhã de férias, lá tocar no novo endereço em que morava Nerina e o marido, e para sua surpresa, ofereci-lhe o volume, que é obra escassa e muito estimada em genealogia. Seus olhos avermelharam e lacrimejaram ao lhe lembrar o passado e mãe e o gesto. Foi rápido, fui sem avisar, era quase hora do almoço, chamou para almoçar, não aceitei.

Mas na sala eu novamente vi nessa ocasião, o quadro do avô Eduardo Leite de Abreu Couto, já sem a moldura original, e, para meu espanto, a pintura pareceu infinitamente menor e menos imponente do que aquela que eu tinha visto em criança, e que sempre admirava quando passava pelas janelas de sua casa, indo e vindo para o meu colégio, o Instituto Abel.

Hoje estou com a certeza que, minha sensação com a genealogia, embora ela tudo perpasse, está igual a tal impressão que tive ao rever o quadro aquela última vez.





domingo, 25 de novembro de 2012

Umas lembranças não importantes. (Um hiato na bibliografia)


O meu interesse no passado familiar foi despertado quando ainda na minha pré-adolescência, num dia chuvoso entrei num quarto de guardados da casa em que morava em Icaraí, Niterói, e deparei com as portas escancaradas, o móvel onde ficavam guardados roupas antigas, uns chapéus de senhoras, e até grossas velas de distantes velórios. Próximo de umas roupas puxadas para fora deste móvel, vi também no chão, diversas fotografias velhíssimas, ao lado de uma poça de água, ocasionada a partir da chuva que entrara por uma janela deixada sempre aberta deste tosco comodo, que embora feito de alvenaria, por ter o chão de cimento vermelhão, era apelidado de "barracão". 

Recolhi-as de imediato, deslumbrado com a cor de sépia desbotada, e com os suportes de papelão encorpados, adornados com os filetes e dizeres dourados tão característicos das fotografias e do primor dos gráficos do século XIX.

Arrumadas em cima da mesa da sala de jantar, fiz uma exposição e perguntei a minha avó quem era quem, quando ela foi dizendo um por um, uma outra sua irmã, que tinha também umas fotografias guardadas consigo, as juntou ao quebra cabeça. Pelas imagens aprendi a partir daquela tarde, a reconhecer os ancestrais e assim naturalmente quis saber mais quem era quem, e comecei a entender dos ramos familiares de minha avó materna; as fotografias que estavam no "barracão" eram do seu lado Furquim Werneck. 

As fotos de sua irmã, minha tia-avó Esther Barbosa Werneck de Almeida, eram do lado Alves Barbosa, uma gente nossa muito lembrada; "fundaram Vassouras". Eu que tinha crescido ouvindo os nomes, agora os conhecia pelas fotos; "vovô Saturnino, que morreu com 28 anos"; "tio Manoel Alves Horta, marido de Tia Leopoldina"; o "barão de Santa Fé e o Zeca Tavares Bastos"; a "baronesa de Santa Fé" e por ai adiante... Ao ouvir esses nomes e ver suas imagens, tendo minha avó ali ao lado como fonte de informações, foi um adentrar privilegiado nas penumbras do nosso passado e verdadeiras dimensões da nossa intimidade familiar.

Comecei a partir de então, a saber e reter, o que não estava visto nem em fotos, nem livros, nem documentos, mas sim o que ouvia relatado com riqueza de detalhes, verdades e emoções. E eu sempre queria saber mais, ao ponto de cansar ainda mais, a já cansada da minha avó; A senhora conheceu? Como era? Que fazia? Onde morava? Era assim ou era assado??? Que cor tinha? Qual era nome? Quem era vizinho? Era rico ou pobre? As vezes, constato hoje, eram tão irritantes minhas curiosidades e indagações, que muito justamente, eu era tocado de perto: "sai estafermo, vai bugiar, não me amola, me deixa em paz". Mas foi assim que consegui saber lembranças bem reais do passado de toda nossa gente, com seus casos, brigas, antipatias, amizades, casas com seus interiores e até vizinhos, que se um dia eu me dispusesse a colocar tudo num papel, seria uma cronica interminável que só não sei quem leria, ou acreditaria não ser romance ou invenção. Mas sei o valor pessoal desse contato que tive em minha vida, pois quando escrevi  o livro "O Casal Furquim Werneck e sua descendência  em 1986, fui buscar, com o impacto de quem se reconhece em algo real e profundo, uma das epígrafes com o mestre Pedro Nava: " O menino que está escutando e vai prolongar por mais cinquenta, mais sessenta anos a lembrança do que lhe chega, não como coisa morta, mais viva qual flor toda olorosa e colorida, límpida e nítida e flagrante como fato presente". 

Quatro ou cinco anos depois desse encontro com minha ancestralidade, através de fotografias e lembranças intimas, com minha avó já morta, eu já trabalhando fui, nas minhas primeiras férias para Vassouras, cidade que já tinha percorrido em criança em sua companhia. E andarilhando de lá para cá, acabei conhecendo personagens da sua parentela, das quais eu tinha já ouvido contar casos completos e sabia serem suas conhecidas. Uma destas foi Maria Luísa Fernandes da Silva, que morava na praça atras da igreja, caminho para o Cemitério da Conceição.

Eu vinha sempre do cemitério, dos bons papos com o Walter (coveiro e) sacristão, (meu amigo até hoje!!!) e ao olhar da rua interessado, as janelas abertas de seu casarão, tinha vontade de ver de perto os antigos retratos pendurados em molduras douradas, no salão de visitas da família do Dr. Antonico Fernandes. Hoje, passados tantos anos, percebo bem a senda que percorria hesitante; que para um genealogista, os retratos familiares, em pinturas ou fotos, são as ilustrações (verdadeiras almas aparentes) dos personagens de seus textos e estudos, tal qual são para os escritores, poetas, e romancistas, as obras artísticas produzidas para enfeite de suas edições bem elaboradas.


Casa do Dr. Antonico Fernandes - Vassouras
Aproximei-me debaixo da janela onde estava a senhora, que o Walter já tinha me dito quem era, e depois de saúda-la, perguntei se me permitiria visitar as suas salas e ver os quadros. Ela de maneira muito educada respondeu que; "em Vassouras não costumamos receber estranhos em nossas casas.....", ao que eu retruquei; "mas eu não sou tão estranho, meus parentes foram daqui". Ela rebateu: "Quem são?". Disse-lhe: "sou bisneto do Caetano Furquim Werneck...". Ela perguntou novamente: "filho de quem?". Eu respondi, já sabendo que a porta ia se abrir: "neto da Dora". Ela disse, depois de perguntar meu nome, "vocês são meus primos, sua avó foi colega de turma no Sion de minha irmã Dadá, e sua tia Esther foi da minha turma... agora é hora do almoço, mas venha as quatro horas que estarei lhe esperando!!!".

Na hora marcada em ponto, estava eu na sua porta, para ser recebido por uma senhora baixinha, toda preparada; óculos, echarpe verde ao pescoço, adornada de anéis e pulseiras, perfumada e levemente pintada com pó de arroz, rouge e batom. Empunhava uma antiga bengala negra de castão, e com um dos sorrisos mais acolhedores e simpáticos que tenho recebido nesta vida, passou logo em seguida, feito uma experiente guia de museu, a mostrar um por um os quadros, contando as histórias das pessoas, dos móveis e objetos, bem como dos personagens dos dois álbuns antigos de fotos que descansavam no salão principal de visitas, sobre uma mesa de centro de tampo ovalado de mármore. Só esta visita e as conversas que tivemos, me proporcionariam, se eu desejasse, páginas infindáveis de memórias e observações, até porque, a conversa que começou as dezesseis horas, terminou quase que a meia noite!!!

E o papo para ela, deve ter sido tão excelente como o foi para mim, e não só por ser uma quebra daquela pasmaceira da rotina vassourense de uma noite no meio da semana para uma senhora solitária. Digo isso porque pouco dias depois no hotel, chegou o convite para um almoço dominical em sua casa. E as impressões dela por mim foram boas mesmo, pois já em outro dia que passei defronte de sua residência numa manhã, ela ao ver-me, chamou-me a entrar novamente e falou: "Esta na cidade a Olga Lacerda,você deve ir lá visitá-la". Respondi: "sei que é parenta, e minha avó lhe visitou muitos anos passados, mas eu não tenho jeito para tanto...". Ela com segurança da amizade que tinha a prima, falou, pegando o telefone: "ela é parenteira, vai gostar de você..." E já ao telefone: "Berenice, a Olga por favor... sim, no banho... diga a ela que nosso primo Roberto vai ai hoje... sim... para o lanche... um abraço, falo depois". Desligou e disse objetiva, passando as senhas da casa da prima Olga Werneck de Lacerda; "chegue logo depois do almoço, que ela não tira sesta, e na hora do lanche, a casa está sempre cheia de visitas, e você não vai poder conversar tranquilo com ela... se estiver lá a Maria Romeiro Neto, não comente nada do Henrique Borges Monteiro e o Dr. Sebastião Lacerda que o assunto é tabu, eu não vou com você que tenho compromisso...".

Almocei ansioso no hotel, e fui rapidamente, naquela tarde de fevereiro a casa da parenta, mãe do famoso politico, de quem tinha ouvido falar a vida toda, e que já era falecido, bem como seu outro filho médico. Lembrava animado, de uma carta de minha avó à minha mãe, relatando a visita a mesma senhora, de uns vinte anos passados, onde minha avó e a Olga Lacerda tinham chegado a conclusão que éramos (a família de minha avó) muito mais parentes dos filhos dela,  porque haviam se reconhecidas parentes duas ou três vezes do seu marido, e duas vezes dela. Assim certo de uma acolhida fraternal e amiga, ia seguro para a residência onde ela costumava passar as férias de verão, na esquina da rua que antigamente era a Travessa Dr. Assis e Almeida, o avô de minha avó. Esse imóvel, estilo bangalô, foi construído num terreno desmembrado de uma quina dos fundos da antiga chácara dos Barões do Ribeirão, bisavô da própria Olga Lacerda.

Olga (Caminhoá Werneck) Lacerda

Quando cheguei no portãozinho de madeira pintado de um azulão vivo, e ia procurar como chamar; vi na janela a dona da casa, já bem idosa e na minha espera; "entre, entre". Não precisou nem de apresentação; me vi dentro da casa, e ela perguntando; "como somos parentes?". Lembrado das conversas com minha avó, mais do relato da carta, das genealogias e tudo que sabia e pensava, respondi que afora sermos eu e ela Werneck, eu era mais também, na realidade: "descendente dos barões de Santa Fé". Ela me olhou espantada, e para me desmontar às vãs pretensões de um parentesco e considerações diferentes, como eu na minha ilusão de mocidade imaginava ser possível merecer por descender de alguém, ouvi a sua franca resposta: "nunca ouvi falar desses!!!". 

Me senti com aquela, o mais perfeito estranho, e pouco a fazer doravante ali, pois assim, eu era só mais um Werneck como tantos outros milhares que deveriam a ter procurado as centenas, e ao filho político já falecido. Comentei então da casa da família de meu bisavô, que existiu ali defronte da casa dela, no local onde haviam construído o Senai de Vassouras. Ela sabia tudo; "sim, Furquim Werneck !!!", e me levou no seu quarto de dormir, onde me fez abrir uma gaveta mais baixa de uma comoda, para pegar um álbum de fotografias de capa dura, não muito grande, nem volumoso, marrom, tipico do inicio do seculo XX, com um cordão de seda amarrado e duas pontas com borlas de enfeites penduradas, nele estava dentre outras do mesmo padrão, uma foto pequenina, de margens picotadas, tipica dos anos 1940 dela com os filhos, todos alegres e risonhos na varanda daquela sua casa, vendo-se por cenário o casarão dos Furquim Werneck. Ela retirou a foto das cantoneiras, e a quis me oferecer, mas eu, sem jeito e por educação, mas com muita dó, recusei o espontâneo e carinhoso presente.

Mostrou-me depois, pendurada na parede da sua sala, a gravura de Vassouras por Victor Frond e disse: "Raul Fernandes que me deu de presente, comprou no Mercado das Pulgas em Paris, eu pedi, e ele escreveu atrás todos os donos das casas quem eram... pegue e olhe !!" tirei o quadro e vi admirado aquele documento iconográfico tornado tão mais valioso, que hoje tenho curiosidade de saber onde andará. Mas guardei algumas das indicações ali, que depois transcrevi para a idêntica gravura que também tenho. Não há como ao olhar esta  minha igual gravura, não me lembrar daquela tarde, daquela amável parenta que pouco tempo depois morreria no hospital de Barra do Piraí. E por extensão da figura de Raul Fernandes, também nosso parente por sangue e casamento, e amigo de meu bisavô Caetaninho, e tio da Luisa Fernandes que me proporcionou este encontro.

Foi nesse momento, que eu ainda constrangido do desconhecimento dela, ao falarmos de casas, me veio uma lembrança de uma conversa daquelas que eu havia tido com minha avó, lá em Icaraí, e que me ensejou indagar então da velha parenta: "a senhora não se lembra, de uma casa no Rio de Janeiro, na praça São Salvador, de sobrado e com porão habitável, com grades, jardins e um repuxo, que subia mais alto que o telhado, e nessa casa subia-se numa varanda tipo passadiço, de piso hidráulico amarelinho, para  dai entrar num corredor onde ficava um grande aparador de madeira com três reis magos de prata em cima? ". Os olhos dela, notáveis pelas grandes olheiras, brilharam, e com uma satisfação evidente, exclamou: "a casa de meu tio Juca, cansei de ir lá menina fazer visita, com a minha tia Carola!! O que você é dele?". O Barão de Santa Fé chamava-se José Rodrigues Alves Barbosa e tinha por apelido Juca. Era seu tio bisavô, irmão da  Baronesa do Ribeirão. Expliquei ainda meio constrangido, que ele era bisavô e padrinho de minha avó, quem o havia conhecido, o que dá sempre uma dimensão mais real nesses casos de reencontros nestas grandes parentelas. Ela ai lembrou da visita de minha avó e tias e quando começaram a chegar as visitas para o lanche que se seguiu, a cada uma que entrava, ela me apresentava; "este é meu primo Roberto, está em Vassouras de férias, veio me visitar. Eu muito pequenina, ia na casa de meu Tio Juca levada por minha tia Carola", e virava-se para mim e perguntava: "ele é o quê mesmo seu ?Era Barão de quê... ? "


Baronesa do Ribeirão
Foi assim, com essa acolhida fraterna, amiga, que recordo como entrei no passado vassourense; e pelas melhores e mais legítimas portas. Fui um felizardo.  Assim, sempre me senti capaz de dirimir qualquer dúvida e tirar a limpo qualquer questão que tocasse a minha ancestralidade. Tudo que ouvi sempre esteve assombradamente correto, para o bem ou para o mal!!!  O que eu não soube por elas, e muitas outros parentes que se seguiram, eu fui buscar nos cartórios e igrejas, ao ponto que com muita segurança, pude já neste século XXI, informar e colaborar na edição de uma obra notável, empreendida por genealogistas açorianos, de grandes prestígios nos círculos europeus destes assuntos. Os Açores é o lugar de onde partiu a maior parte das famílias pioneiras da cidade de Vassouras. Esta obra foi com certeza, a primeira fora de nossos limites territoriais (Europa), onde se deu a várias e extensas famílias brasileiras, um mesmo tratamento de igualdade e visibilidade, tal qual como eles os autores, apresentaram e trataram as próprias famílias açorianas. E tudo que lá informei está certo e correto. Passei com segurança e veracidade o que sabia e pesquisei durante mais de trinta anos, sem guardar informações ou verdades na gaveta, por orgulho ou vergonha que fosse. Tenho portanto em genealogia, a tranquilidade dos que trabalharam honesta e corretamente. Eu vivo sereno desde que li  a frase de Georges Rodenbach: "os nossos mortos morrem pela segunda vez quando nos os esquecemos" pois sinto ter tido a sorte de me ter clareado no entendimento, o significado exato do proposito disso tudo, e dessa minha vocação para esse chamado tão antigo. E vejo, sempre meio surpreso, que foi a partir desta conscientização, que não envolve nada de espiritismo ou de sobrenatural, que espantosamente começou a fluir algo de muito bom e certo em minha direção, para minhas mãos e minha vida.


No site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, algo extraordinário que o pesquisador de hoje tem a seu dispor, localizei estes dias o convite para a missa de sétimo dia que o barão de Santa Fé, o "Tio Juca" da prima Olga, o meu ancestral, mandou rezar na Corte, quando faleceu sua irmã, a Baronesa do Ribeirão, bisavó da mesma Olga Lacerda, o que comprova nada ser mais certo na história de Vassouras, do que a irmandade destes dois titulares do império. Filhos ambos que eram de Francisco Rodrigues Barbosa e Mariana Rosa de Jesus, netos paternos do açoriano florentino Francisco Rodrigues Alves, o pioneiro sesmeiro de Vassouras e de sua mulher a carioca Antônia de Sá Barbosa, e maternos de Henrique de Mendonça Furtado e Rosa Maria do Bonsucesso. 

Andei relembrando tudo isso, porque hoje na genealogia brasileira, existem três mulas híbridas e empacadas, jumentas periféricas e curiosas das famílias antigas vassourenses: os senhoritas (?) A.A.F, S.F. e J.R.V., que teimam de apresentar uma filiação equivocada para a Baronesa do Ribeirão. Eu já em 1991, trouxe a luz, juntamente a Dra. Vilma Novaes, um folheto intitulado, "Algumas Notas Para Acréscimos e Correção à Genealogia das Famílias Rodrigues Alves Barbosa e Avellar e Almeida, de Vassouras (Em Especial a Filiação da Baronesa do Ribeirão)  em que mostrava o engano de um lapso na sua filiação, mas isso incomodou sobremaneira esta velha mula racista paulista, que mantem um site de sua nobreza (sic) na internet e ficou incomodada com as citações do sangue cristão-novo da avó paterna da Baronesa do Ribeirão. Esta mula irriquieta, da raça hanibala, tipo missivista contumaz, cansatória e laudatória, colabora com o outra segunda jumenta, num site do abecedário inteiro de erros e asneiras repetidas, onde ela hanibala, também usa e abusa de suas tranças, intrigas e auto elogios. Posto que se fosse uma senhora digna, honrada e séria, essa jumenta imbecil que vive a perder tempo em se marcar a ferro e fogo no lombo velho, com uma girandola de brasões que não lhe pertencem, se tivesse ligações reconhecidas com estas antigas famílias vassourenses, não seria justo ela quem estrumaria com tanto ardor, as erradas informações que produz.  (Continuam... )
















quinta-feira, 7 de junho de 2012

Genealogia, Orgulho & Soberba


A palavra família é um termo que tem sua primeira acepção e origem na designação dos restritos integrantes do lar de um casal e seus mais próximos cognatos pelo sangue. Assim, os fora desse lar, ainda que com parcela do mesmo sangue, seriam os parentes, que integrariam a formação da parentela de cada família. Assim é que com varias famílias e um ancestral comum, temos uma parentela.  A dinâmica das famílias e a expansão de suas consequentes parentelas, e não tem novidade alguma nisso, é registrada por meio do que viemos até aqui a chamar de genealogia. E por ela que sobrevive a memória dos ancestrais e se permite contar e saber os graus de parentescos entre conhecidos e desconhecidos. 

Existem maneiras diversas de se introduzir, recolher, ordenar e expor os dados genealógicos das parentelas, dentre os quais são as mais comuns; a partir de abordagens que enfocam uma ancestralidade comum pelo sangue ou alianças, advinda de uma personalidade de destaque ou até mesmo um banal vulto comum a diversos pares e ímpares.... Outra segunda opção é a regional, pela recolha de grupos familiares que atuam em determinada região geográfica. Uma terceira, e das mais populares opções em se abordar e apresentar uma genealogia, são as elaboradas a partir da ênfase em determinados sobrenomes. Este tipo de abordagem por apelidos é a que mexe em muitos casos, mais direto com a vaidade e o orgulho dos mortais. 

Aglutinar um apelido familiar a um brasão de armas, e fazer um estudo genealógico se transformar num escudo nobiliárquico é sem duvida alguma uma das causas do sucesso, interesse  e persistência da popularidade da genealogia ser, por muitas e muitas vezes, habilmente manejada como uma muleta do orgulho capenga e arma de sustentação do ego dos menos aquinhoados com a virtude da humildade. E quando esse apelido está conectado com boa sonoridade a algum outro, ou então é estrangeirado; triplica o valor pelo senso ilusório da vã soberba aristocrática estar fundamentada em elegante isolamento social do resto dos botocudos civilizados que habitam cidades, selvas e caatingas brasileiras. São tanto livros e livros com brasões nas capas, no geral usurpados de forma ingênua de seus legítimos proprietários.... porque as armas plenas lusitanas, os heraldistas sabem como lição básica, são de uso exclusivo dos chefes de cada família....

Mas é impossível para quem tenha hoje a mínima iluminação na cachola, utilizar a genealogia como fermento da soberba posto que, pela lógica ninguém nasceu com menos gerações que os outros viventes, pois mesmo que o ignorante não saiba declinar os nomes de seus pais e avós, é evidente que tem o mesmo exato número de antepassados sabidos e desconhecidos que tem as rainhas da Inglaterra ou do baralho. Também descender de figurões da nobreza da antiguidade ou tempos mais recentes é tão vazio e ineficaz biologicamente quando se lembra que hoje calculam que grande parte dos europeus descendem do imperador Carlos Magno, além  do que, em caso de menor distância geracional, ser ridículo um neto que goste de roer a canela do avô e por isso se achar com mais valor ou melhor que alguém outro não neto de avoengo com canela semelhante ao seu vovô....

E como ainda não existe (e nunca existirá) genealogia  que remonte ao ventre da primeira mulher bíblica, a qualquer homem moderno que seja, pobre ou rico, por mais ou menos pretensão de nobreza que tenha, se ele quiser pensar em raízes entranhadas em tempos imemoriáveis, como a dos reis merovíngios que iniciava em Faramundo, ("de quem alguns duvidam existir", como escreveu Dom Antonio Caetano de Souza), só restará a este homem, o consolo de se conformar humildemente com o conhecimento genealógico-biológico, que está ao seu alcance e todos os mais viventes racionais, através do simples teste científico de DNA que reparte e nivela toda a humanidade na descendência das chamadas cinco Evas.

Um dia certamente no futuro, antes da luz do Sol acabar, ainda se fará um estudo acadêmico, psicológico ou psiquiátrico da real vocação que redundou em muitos dos livros e folhetos de genealogia brasileira que entopem minhas estantes. Tenho para mim que o mais equilibrado destes empenhos é o que alia a genealogia com alguma crônica ou memória  intima familiar, e que permite acompanhar as  pequenas histórias das gerações em seus cursos pela cronologia do mundo. Isso com a humildade e certeza que ao se atingir certas épocas históricas e locais geográficos, já não se descende de pessoas especificas maiores ou menores, melhores ou piores, mas sim de toda aquela civilização ou província, como bem definiu Marguerite Yourcenar em texto magistral. Assim como exemplo, quem sabe que descende de um fazendeiro ou usineiro no Brasil do século XIX, já nem precisará dizer o nome do cidadão ou seu apelido familiar, pois  na informação e menção do vulto, já estão todas as variáveis que não farão diferença humana alguma  substancial, e nem social, pois mesmo se sujeito em foco for um barão, escravo ou um sitiante também serão grandes as chances do sujeito do presente, o descendente (ou seus pósteros), por causa do implexo dos antepassados, acabar por descender de todos os tipos representativos desta sociedade ou desta região. Do barão ao ladrão, do padre ao sacristão...

Existe ainda as outras vocações, que vão das perversas e mal intencionadas (as fraudes genealógicas) até as românticas, sentimentais ou saudosistas, caso em que o individuo percebe que determinada família na qual se encarta (e muitas vezes não) ou encartou, não existe mais ou vai deixando de existir, ou também porque a geração que foi bafejada pela sorte já está sua descendência sem o lustro social, político ou financeiro com que brilhou (ou foi reconhecida)  no passado, e já que ele o saudosista, geralmente (ou não) é o que está sendo afastado pelas forças do  destino para longe do eixo  em que gira uma sua parentela ainda abonada e que geralmente não está nem aí para ancestrais ou parentescos, ainda mais se forem árvores encarapitadas de primos pobres, periféricos ou idiotas. Assim é que acabam por existirem famílias ideais, que só subsistem nos livros de genealogia ou nas cabeças dos cronistas com delírio de família, e também nos álbuns de retratos amarelados como definiu a ensaísta e fotógrafa Susan Sontag.

Genealogia tem por vezes aliada com muita familiaridade, muito de ilusão romântica e ingenuidade, pois acreditam muitos, que um apelido tem a força e legitimidade igual a uma marca de cão, galinha ou cavalo, tudo de um tipo só, enganados ou esquecidos que a cada nova aliança em que um sobrenome permanece, inexiste a mínima chance das pessoas serem todas herdeiras iguais, ou "legitimas", ou inalteradas dos antepassados dos quais herdaram o apelido após dezenas de gerações !!! Nada mais cretino!!! Herdam-se os apelidos e a história ancestral somente, mas a cada geração é obviamente uma família nova que se forma. As vezes de uma banda vem o apelido e da outra os defeitos e qualidades, ou vice versa. Só o pavão sempre tão belo, que não cruza com galinhas nem urubus, é sempre pavão, mas mesmo assim, suas canelas nunca são de acordo com as suas plumas.....

Estes pensamentos me distraem a mente quando pego o livro genealógico brasileiro que na sequência de publicações  pela ordem da cronologia das edições, retiro da estante para poder apresentar aqui: "Genealogia da Familia Souza Leão por *****" (Recife, 1881, Typographia Mercantil). Pois não é que o autor, que se escondeu pelos asteriscos, ao publicar a sua genealogia, na explicação ao leitor, logo mo primeiro parágrafo do texto, já que estava indignado com ataques de calúnia e difamações que tinha sofrido pelo jornal "A Democracia", de 18 de janeiro de 1881, informa que; "não foi frivolo o desejo de fazer ostentação da nobreza e limpeza de sangue da família Souza Leão ( grifo dele) que nos levou a publicar a sua genealogia", para então seguir invocando a história de sua extensa parentela, suas alianças, parentescos papais, cargos públicos e, é evidente que, uma grande quantidade de palavras e loas em sua própria biografia, já que sabe-se que o autor foi o bacharel Domingos de Souza Leão, segundo barão de Vila Bela.

A parte histórica e documental da obra é bem correta, e hoje  tanto esta grande parentela de sangue, como o apelido Souza Leão ainda persistem no Nordeste e por todo o Brasil, com destaque social, cultural, econômico  e financeiro, tão igual sempre tiveram segmentos das velhas gerações pernambucanas. A obra seria, não fosse a motivação emproada do autor, ao usar a família como um bloco luzidio e puro, para escudo dos ataques que purgava pela imprensa, perfeita enquanto metodologia histórico genealógica. Deixa assim de ser inteiramente louvável, por que hoje, se analisarmos um livro impresso com a intenção e vocação acima, fica engraçado até de lembrar, que no presente, da representação original e legítima do apelido de qualquer uma das melhores vergônteas dos antigos Souzas Leões (sic), nem o famoso bolo Souza Leão que tanto se orgulhavam as matronas da família escapa e persiste em sua legitimidade, já que teve várias receitas e variantes, todas reveladas por Gilberto Freyre, o que acabou por findar com a mistica da fórmula secreta do prosaico pudim de mandioca ralada.

Meu exemplar da obra, muito raro e estimado, é lindo e admirável enquanto objeto livro, está em perfeito estado de conservação. Tem o primor gráfico de ter sido impressa a folha de rosto com duas cores, um capricho tipográfico não comum, e decerto caro no século XIX!!!  A encadernação simples é da época, feita no Instituto dos Surdos e Mudos da Corte, e conservou as capas amarelinhas originais da brochura. Como eu informei no post anterior, foi comprado num lote no leilão efetuado em 1995 no Castelinho da família Smith Vasconcelos,  em Itaipava. O volume tem (de pessoas que decerto ignoravam que não se dedica um livro quando não se é o autor) duas dedicatórias manuscritas,  uma do Sr. Samuel Gracie ao Dr. Vieira Fazenda, ilustre medico e historiador carioca, datada de 1901, e a outra do mesmo Dr. Vieira Fazenda, datada de 1915, para o Dr. Jayme Smith de Vasconcellos, que aplicou neste exemplar, o seu bonito e distinto ex-libris.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Genealogia e Padres; Amigos e Livros.


Sem as crenças e as religiões, a genealogia enquanto ciência seria muito mais difícil de ser observada e preservada. O mistério do replicar desordenado de seres humanos, aglutinados em famílias, parentelas, tribos, clãs, pátrias, continentes, é evidente e inegável que além da história, e um aspecto de seu entendimento pela genealogia, possui uma carga fortíssima de espiritualidade.

Porque por todo caminho da humanidade, está o olhar para a ancestralidade advinda do encadeamento de infinitas e perdidas gerações, que conjugada com a história, seus fatos e seus atores, compõem a tessitura do fio perene da humanidade, que passa pela fração do eterno presente, amarrando cada minuto do futuro que se extingue, ao todo do passado que se acumula no desde de sempre.  Não há religião que despreze ou ignore os ancestrais ou seus predecessores. Porque, que se saiba, não existiu uma religião que diga ao homem ficar solitário, isolado da espiritualidade de todo o resto, separado da humanidade e exilado de um passado coletivo, e assim por conseguinte; indiferente a sua ancestralidade.  

Assim é perfeitamente compreensível que não exista pesquisa genealógica no mundo ocidental que possa prescindir de informes adquiridos através dos registros e documentos produzidos pelas religiões judaico-cristãs, o que faz ser natural e compreensível serem os envolvidos diretamente na permanência e sobrevivência das crenças e religiões ocidentais, (as ditas civilizadas e civilizadoras) muitas vezes as fileiras de onde justamente saem os mais dedicados cultores da genealogia. Por isso é que sempre existiram padres, pastores, e mesmo rabinos, que foram genealogistas afora serem eles próprios os preservadores, manipuladores e atores dos próprios registros onde se apoiaram e apoiam desde sempre os genealogistas.
  
Posteriormente, com a expansão, progresso e diversificação da civilização, e a modernidade dos pensamentos jurídicos e laicos, houve a necessidade de outros tipos separados de registros que são os que compõem os fundos jurídicos, cartoriais e notários, registros estes onde também abeberam de conhecimentos os genealogistas. Temos visto então tabeliães e notários também genealogistas. 

Assim é muito natural, que um religioso católico foi o mentor inicial da pesquisa e estdos que deram inicio a notáveis, raras e estimadas obras da genealogia brasileira no século XIX. Este religioso foi o vigário pernambucano João Evangelista Leal, alcunhado de Padre Periquito, pela “circunstancia de usar roupa de cor verde quando começou seus estudos” e “não o molestando tal apelido, dava por ele e adicionou-o ao próprio nome por ocasião de receber suas demissórias”. Nascido a 21 de janeiro de 1798 em Recife, onde faleceu a sete de novembro de 1851 depois de “padecer dos rins por mais de 30 anos”. 

A árvore do Padre Periquito ?
No ano de 1844 foi este Padre Periquito quem principiou através de uma carta circular aos parentes, a recolha de dados para a fatura da genealogia de sua família, e que permitiu em seu tempo, a confecção de uma árvore aquarelada enfocando a descendência de D. (sic) João Alfradique, o primeiro ascendente da família Leal de Pernambuco, cujos filhos nasceram entre 1670 e 1680. 

Este trabalho decerto que estimulou os parentes, pois em 1851, seu parente, o  Brigadeiro Antonio Gomes Leal enviou novamente um interessante questionário aos familiares, com solicitação de dados e detalhes que demonstram já naqueles tempos remotos, uma visão muito clara da importância de determinados informes biográficos para a construção de uma bem feita resenha de genealogia.

Segunda Edição
O brigadeiro Antonio Leal falecido com grandes honras e pompas no Recife em 1879 foi um atuante militar pernambucano, que teve destaque não somente na Guerra do Paraguai, mas em outros diversos postos de comando em sua província natal, carreira esta que por sua vez, não o impediu de se ocupar com a pesquisa  dos complementos da arvore genealógica da família, o que empreendeu até o ano de 1862. Ele teria publicado uma primeira edição (que jamais vi!!) da genealogia da família, em 1864, já em formato de livro, conforme se depreende do titulo da obra que é um dos itens estimados de minha coleção dos raros livros de genealogias brasileiras publicados no século XIX: “Genealogia da Familia Leal: Trabalho Encetado pelo Vigario João Evangelista Leal Periquito, continuado pelo Brigadeiro Antonio Gomes Leal e Concluido em 31 de dezembro de 1864 pelo Negociante Antonio Gomes Miranda Leal, Auctor desta Nova Edição...” (Pernambuco – Typographia do Jornal do Recife – 1876). 

Antonio Gomes de Miranda Leal citado no título acima, é o terceiro autor, e sem nenhuma dúvida, o que mais se empenhou e valorizou os esforços com a genealogia familiar de seus dois antecessores. Figura personalíssima ele foi muito mais que um negociante como se apresenta acima; na segunda edição ele não resenhou no apêndice da obra a sua biografia, o que, no entanto fez na terceira edição, em uma narrativa com tal riqueza de detalhes memorialísticos, o que acabou por tornar a sua obra além de uma curiosidade, um admirável documentário escrito sobre o viver de um homem brasileiro do século XIX. No caso, um homem cultor da genealogia. 

Antonio Gomes de Miranda Leal
Assim numa torrente de informações e registros encadeados e detalhado em minúcias numéricas, ele vai narrando seus estudos, seus mestres, suas doenças, suas viagens com detalhes tais como alem dos nomes dos companheiros de viagens, os hotéis, seus nomes e endereços, e nomes dos navios com totais de passageiros e tripulações,  e outras informações curiosas, surpreendentes e engraçadas, como quando chegou na cidade de Aracati, doente, em 1848, coube-lhe “fazer a penúltima noite de novena da festa de nossa Senhora da Conceição, na Matriz, a 7 de dezembro, o fez de tal modo nunca ali visto, tendo a todos agradado” ou então que estando na cidade do Porto, em Portugal, “ no baile dado a família Real, na Assemblea Portuense, a 30 de abril de 1852, dançou no mesmo quadro da Rainha, ao lado dela”, e que da ilha da Madeira, onde os amigos achavam “seria sua sepultura”, por estar doente, recuperou-se para logo em seguida casar no Recife. 

Cabeça de negociante, ele registrou e informou tudo com a minúcia de um guarda-livros antigo: “desde de 1852 que começou a receber cartões de visitas todos guardou, por onde andou, elevando-se hoje  a 3064”. Informa também que guardou toda sua correspondência: “ tendo cartas e contas numeradas desde as primeiras que se fizeram, atingindo aquelas o n. 26.992 e estas o n. 45.957, alem de quantidade em livros”. Da mesma forma, achou importante informar, “que  em 1881 deu 54 arvores a Camara Municipal” (do Recife). Memorialista atento, em Madrid ele registrou que se hospedou no Hotel de Pariz “onde estava a Rainha da Suécia” para em Nantes acrescentar em sua biografia que dormiu no mesmo aposento em que o segundo monarca brasileiro havia se hospedado. Vaidoso, informou também que “ é pontual e assíduo na Junta Comercial, á qual sempre foi vestido de preto e casaca todas as quintas feiras desde 1877 até hoje” (1885) . 

Terceira Edição
Terceira Edição
Ele além de divulgar o valor que gastou na educação dos filhos, avisa que guardou todos os 360 recibos das 42 pessoas ( professores)  que teve em casa, inclusive os da francesa Joana Salomos a quem pagou a quantia de 1.680$ por ano. É uma pálida ideia o que transcrevo aqui, da riqueza de detalhes  de sua vida pessoal e familiar que apresentou nesse seu livro, tanto que não posso encerrar essas observações, sem deixar de transcrever os registros que fez de que “saltando em São Vicente de Cabo Verde vio o hermafrodita Antonio Ramos”, e que também que “possue uma lista dos escravos que tem tido desde 22 de julho de 1854” afirmando que no momento que escrevia o livro tinha “apenas uma, de nome Damiana, com 23 anos de idade, que comprou em 1877 e custou 1:000$000, a qual será considerada livre, com ou sem carta, no dia em que terminar a publicação deste livro". A liberdade de uma escrava aliada a publicação de um livro de genealogia!!! Incrível e inédito!!! 

Econômico decerto que era, no fim do livro ele  anota que com a pesquisa da genealogia mais as cópias litografadas da arvore que mandou fazer; “teve um dispêndio de 800$” e que esta árvore media “24 polegadas de altura e 18 de largura”. Ele colecionou também retratos dos parentes, tinha “130 retratos” deles e “pretendia possuir  um quadro completo da representação pessoal de toda família”. Admiravel!!! 

Este gracioso e perfeito exemplar da segunda edição, foi adquirido pelo meu grande e querido amigo, o falecido colecionador Waldyr da Fontoura Cordovil Pires, no leilão promovido a décadas passadas, da coleção de móveis e objetos que recheavam o castelinho da família Smith de Vasconcellos em Itaipava, RJ. Os Smith Vasconcelos, o velho barão, filho e neto foram genealogistas notáveis no século XX e espero um dia poder resenhar algo desta família suas publicações e seus autores. No dito lote do leilão constavam dois títulos, esta segunda edição  da Família Leal, e o também muito raro livro de que falarei no próximo post ; “A Família Souza Leão”.  Como eu possuía já uma terceira edição, da Familia Miranda Leal, publicada também por Antonio Gomes de Miranda Leal, em 1885 no Recife, impressa pela Typ. Industrial, que me havia sido oferecida por Carlos Rheingantz em 1985, Cordovil com a generosidade que lhe era peculiar para comigo, não se importou ao dividir em duas partes o lote, que eu ficasse com o exemplar da família Souza Leão, conservando ele em sua biblioteca a raríssima edição de 1876.

Após o falecimento do meu amigo  no ano passado, ajudei a viúva Cordovil, a desfazer de parte dos livro da grande coleção genealógica de seu marido, e sem atentar para sua raridade, e de não possuir a obra nesta edição, encaminhei o raro livrinho para o Seminarista maranhense João Dias de Resende Filho.

Para poder fazer o cotejamento das duas edições, na feitura deste texto, ao perceber a lacuna que o então distante livreto me fazia na coleção, escrevi de imediato a este amigo, um genealogista promissor, seguidor pioneiro deste blogg,  jovem e já autor de um muito correto estudo sobre a sua família Pecegueiro, recentemente publicada numa das revistas da ASBRAP. 

Ele com a largueza desinteressada dos bem formados de coração, teve a grandeza do gesto de me reenviar o exemplar da segunda edição, de maneira que ele conste na minha coleção, agora não mais somente como obra do Padre Periquito. Ao lado do exemplar da terceira edição serão boas lembranças dos amigos Carlos Rheingantz e Waldyr Cordovil, e mais ainda lembrança da excelência do gesto de João Dias Resende Filho, futuro padre, genealogista e amigo, a quem aqui de publico agradeço!!! 

Assim se constroem as coleções, não só de gastos financeiros, mas de sorte e gestos de amizades, mais de gestos de amizade do que sorte e dinheiro!!!. Creiam nisso!